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sexta-feira, novembro 25, 2005

A Inteligência e a Estupidez (III) 

Mais umas notas sobre os fracassos da inteligência...

Dogmatismo
O dogmatismo é o primo direito do preconceito e da superstição. Surge quando uma convicção se vê contrariada pela realidade e, em vez de se reconhecer o erro, se introduzem as variações necessárias à manutenção da crença prévia. Constrói-se assim uma imunização à crítica.
Uma forma de dogmatismo muito comum tem origem nas inseguranças intelectuais do próprio sujeito. Necessitando de pisar "terreno firme", agarra-se a conceitos assegurados pela autoridade competente. Assume-os como suas, chegando a brami-los como armas perante a ameaça da incerteza.
O dogmatismo é a proclamação de certezas em casos de dúvida... Um muito corrente fracasso da inteligência.

Fanatismo
O fanatismo reúne todas as características do preconceito, da superstição e do dogmatismo e acrescenta-lhe duas perigosas variáveis: uma defesa da verdade absoluta e e um chamamento à acção.
Parte de um conceito dificilmente discutível: a verdade tem um valor superior à mentira. O problema surge quando se assume como verdade absoluta uma proposição ou uma opinião não demonstrada. A partir daqui, cresce um dinamismo tirânico: a verdade absoluta deve ser imposta absolutamente, porque é inegável a sua superioridade a todas as outras.
Cabe aqui a declaração solene do guerreiro que incendiou a antiga biblioteca de Alexandria: "Ou os livros que há aqui dizem o mesmo que o Corão, e então são inúteis, ou dizem outra coisa, e então são blasfemos. Em qualquer dos casos, merecem ser queimados". Lógica implacável, usada vezes demais...
O aspecto mais perigoso do fanatismo é o seu chamamento à acção: o fanático não é apenas um preconceituoso, supersticioso e dogmático. É alguém convencido que é missão sua a imposição da verdade absoluta. Um trágico fracasso da inteligência...

A estupidez social
José António Marina, na sua obra "Inteligência fracassada", faz uma aplicação dos fracassos da inteligência às sociedades, instituições e grupos.
Segundo ele, "sociedades estúpidas (ou instituições ou grupos) são aquelas em que as crenças vigentes, os modos de resolver conflitos, os sistemas de avaliação e os modos de vida, diminuem as possibilidades das inteligências privadas".
As causas da estupidez social são as mesmas que fazem fracassar a inteligência pessoal: fracassos cognitivos, afectivos e operativos.
No que aos cognitivos diz respeito, imagine-se o preconceito, a superstição, o dogmatismo e o fanatismo disseminados como "tendências" ou "correntes" colectivas e temos a estupidificação social em todo o seu esplendor. Aplique-se isto a grupos, Igrejas, instituições... e teremos uma explicaçäo para muito do que se passa todos os dias.
Se o triunfo da inteligência pessoal é a felicidade (objectivo último do ser humano), o triunfo da inteligência social é a justiça.
Nesta sua reflexão, Marina recupera um conceito de rica e universal tradição - a sabedoria: "Sabedoria é a inteligência habilitada para a felicidade privada e para a felicidade política, ou seja, para a justiça".

Comments:
Manuel, como me soube bem, ler isto.
Por vezes, caio na tentação de achar que; ser pertença da Igreja Católica é possível sem o "martírio". Não é. Não damos o sangue, mas, continuamente, nos pedem a nossa vontade, a nossa inteligência, a nossa individualidade...não para viver a comunhão, mas uma falsa unidade. Falsa, porque não está centrada em Cristo, mas em todos os "ismos" que se lhe foram acrescentando.
 
Cara MC
Nem mais...:) obrigado.
 
Que maravilha de texto! Se ele pudesse chegar a certas instâncias...!!!
Mas essas instâncias nem sequer iriam entender o que aqui está escrito.
O seu espírito e a sua sabedoria não lhes permitem isso.

 
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