terça-feira, março 21, 2006
A Igreja e as conservas
"Sei que há pessoas para quem não vale a pena gastar tempo com desafios perdidos à partida: a Igreja é, por natureza, conservadora, imobilista. Dizem que está blindada com dogmas, doutrinas, estruturas e costumes contra a mudança. Está sempre a repetir que tem de guardar o "depósito da fé", de manter a tradição e os rituais que a transmitem. Dá a imagem de uma indústria de conservas.
(...)Fala-se da democratização da Igreja. O prof. Ratzinger, enquanto jovem teólogo, não era nada alérgico à ideia. Depois, esqueceu-se. Não deve haver muita gente que gostasse de ver a Igreja transformada no que são hoje as democracias. Elas também precisam de uma profunda mudança para serem democráticas. A Igreja está mal quando é menos do que uma democracia. Tem de ser muito mais. Pertence-lhe, por natureza, ser um sinal e um instrumento de fraternidade no mundo".
* * *
Quem escreve assim é Frei Bento Domingues, na sua habitual coluna no jornal Público, do passado dia 19, e por mim discreta mas resolutamente surripiada daqui.
Entretanto, em Roma, parece que se quer mais latim. Näo consigo descortinar muito bem as razöes de tal ensejo, mas deve ter alguma coisa a ver com a indústria conserveira...
Comments:
Só para lembrar que Bento Domingues tem uma página própria para divulgar as suas crónicas dominicais (embora nem sempre actualizada...): www.triplov.com/espirito/frei_bento
Interessante ver Frei Bento à procura da democracia na igreja. Já há igrejas com democracias plenas. As igrejas de sistema congregacional. A minha, por exemplo. Frei Bento ´defende ideias dos, segunda a sua opinião, perigosos protestantes fundamentalistas?
Caro David,
Obrigado pelo comentário.
Näo quero, nem me compete, defender Frei Bento. Mas parece-me importante alguns reparos:
1. Ele fala de democratizaçäo sem dizer que isso significaria o seguimento do modelo da sua Igreja...
2. As Igrejas protestantes têm aspectos muito positivos que qualquer católico sensato aprecia.
3. Em nenhum caso estamos a falar de "perigosos fundamentalistas".
Näo lhe parece, David? :)
Obrigado pelo comentário.
Näo quero, nem me compete, defender Frei Bento. Mas parece-me importante alguns reparos:
1. Ele fala de democratizaçäo sem dizer que isso significaria o seguimento do modelo da sua Igreja...
2. As Igrejas protestantes têm aspectos muito positivos que qualquer católico sensato aprecia.
3. Em nenhum caso estamos a falar de "perigosos fundamentalistas".
Näo lhe parece, David? :)
Manuel
A meu tom provocatório, no bom sentido, tem mais a ver com o Frei Bento Domingues do que consigo. Apenas achei irónico que Frei Bento apele à democracia e depis chame protestantes (ou evangélicos) fundamentalistas às igrejas que a põe em practica - os baptistas e pentecostais do "Bible Belt", por exemplo.
Quanto ao modelo tem razão. A democratização pode tomar várias formas.
A meu tom provocatório, no bom sentido, tem mais a ver com o Frei Bento Domingues do que consigo. Apenas achei irónico que Frei Bento apele à democracia e depis chame protestantes (ou evangélicos) fundamentalistas às igrejas que a põe em practica - os baptistas e pentecostais do "Bible Belt", por exemplo.
Quanto ao modelo tem razão. A democratização pode tomar várias formas.
Apenas para rir.
Alguém disse numa reunião que falta democracia na igreja.
E o padre atirou: «E para que queremos nós a democracia?! Se ainda fosse teocracia!!!
Alguém disse numa reunião que falta democracia na igreja.
E o padre atirou: «E para que queremos nós a democracia?! Se ainda fosse teocracia!!!
Sobre o latim nas eucaristias:
«No fundo, os fiéis dão muito mais importância aos seus ritos do que aos seus dogmas, e com razão. Alterar o ritual é infinitamente mais mutilador do que retocar uma verdade de fé. As aberturas do Vaticano II sobre o magistério da verdade preocuparam muitos católicos, a reforma litúrgica dividiu-os. O cisma fundamentalista de Monsenhor Lefebvre ficou a dever-se tanto ao "Ordo missae" quanto ao reconhecimento da liberdade religiosa que nele estava patente. E a nova vitalidade de algumas paróquias, o novo alento carismático ou a criação de novas congregações não resultam de uma renovação da doutrina (a teologia parece marcar passo) mas de uma revitalização litúrgica (...).
Com a liberdade de consciência, os gostos não se discutem. Mas substituir o latim pelo vernáculo, virar o altar para a nave central para celebrar de frente para a assembleia, ou mudar o horário das matinas separando-as das laudes, é muito mais grave. Como o latim está ligado ao canto gregoriano, incompatível com a prosódia do francês, à polifonia palestriniana e ao reportório clássico, o que a questão aparentemente acessória da língua das celebrações veio afectar foi, de facto, a memória auditiva do corpo eclesial, a "schola", o órgão e os organistas. A reforma do "Ordo missae" de 1969 atingia assim, inevitavelmente, as defesas imunitárias de um corpo fragilizado. Daí o alarme. Uma liturgia é mais do que um espectáculo, é um seguro de vida».
RÉGIS DEBRAY
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«No fundo, os fiéis dão muito mais importância aos seus ritos do que aos seus dogmas, e com razão. Alterar o ritual é infinitamente mais mutilador do que retocar uma verdade de fé. As aberturas do Vaticano II sobre o magistério da verdade preocuparam muitos católicos, a reforma litúrgica dividiu-os. O cisma fundamentalista de Monsenhor Lefebvre ficou a dever-se tanto ao "Ordo missae" quanto ao reconhecimento da liberdade religiosa que nele estava patente. E a nova vitalidade de algumas paróquias, o novo alento carismático ou a criação de novas congregações não resultam de uma renovação da doutrina (a teologia parece marcar passo) mas de uma revitalização litúrgica (...).
Com a liberdade de consciência, os gostos não se discutem. Mas substituir o latim pelo vernáculo, virar o altar para a nave central para celebrar de frente para a assembleia, ou mudar o horário das matinas separando-as das laudes, é muito mais grave. Como o latim está ligado ao canto gregoriano, incompatível com a prosódia do francês, à polifonia palestriniana e ao reportório clássico, o que a questão aparentemente acessória da língua das celebrações veio afectar foi, de facto, a memória auditiva do corpo eclesial, a "schola", o órgão e os organistas. A reforma do "Ordo missae" de 1969 atingia assim, inevitavelmente, as defesas imunitárias de um corpo fragilizado. Daí o alarme. Uma liturgia é mais do que um espectáculo, é um seguro de vida».
RÉGIS DEBRAY