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terça-feira, maio 09, 2006

Eutanásia 

O debate sobre a Eutanásia está em crescendo. A sua discussäo e regulamentaçäo começa a transformar-se numa inevitabilidade nos países que ainda näo o fizeram.
Em Espanha, a questäo volta a colocar-se, depois de mais um mártir da causa.
A posiçäo da Igreja sobre esta matéria é clara e inflexível: a eutanásia é ilegítima e indefensável.
É um tema sensível, complexo e que näo pode ser colocado de forma simplista. Enquanto cristäo, näo posso deixar de o pensar. É inevitável o conflito interior entre a compreensäo humana do desejo de quem a reclama em situaçöes limite e a convicçäo profunda da supremacia do valor da vida sobre a tragédia pessoal.
(Para näo fazer um post novo, acrescento aqui uma sugestäo de leitura sobre o tema. Dois especialistas; duas opiniöes contrárias: Juana Teresa Betancor, (especialista em Bioética e ex-vicepresidente da Federaçäo Mundial de Associaçöes pro Direito a Morrer) e Antonio Pardo (professor de Humanidades Biomédicas na Universidade de Navarra).

Comments:
Para mim que sou nhurro é muito simples… A vida de cada qual é do domínio do próprio e de Deus, no sentido mais íntimo dos termos… É ilegítimo o Estado substituir-se a qualquer uma destas instâncias – a sua soberania é outra, cívica e social. Politica e juridicamente, o suicídio é um direito inalienável.

A igreja tem direito e dever de tal referir e discutir e analisar, visto que a instância Deus lhe diz respeito. Mas não me parece legítimo a transição dos seus pareceres e sentidos para a lei civil.

Evidentemente que este ponto de vista só se aguenta integrado numa separação e distinção entre o poder civil e o religioso.

Pois.
 
Estou de acordo com o Vítor. Além disso, a "convicçäo profunda da supremacia do valor da vida sobre a tragédia pessoal" é algo de especificamente cristão, não se pode andar por aí a impor à força de um sofrimento brutal a quem não é cristão ou sente que não o consegue viver.

A assistência ao suicídio quando há incapacidade do próprio e um pedido repetido e consciente não pode ser criminalizada, a meu ver. Penso que se poderá, isso sim, regulamentar a situação de modo a evitar abusos.
 
Meus caros amigos Vitor e CA,

Mas onde é que eu disse que defendia a imposiçäo ou a criminalizaçäo?
Eu só referi o conflito interior que eu sinto e que, imagino, é comum a muito boa gente.
Naturalmente, näo me passa pela cabeça defender que um Estado democrático tenha de legislar segundo as minhas convicçöes religiosas.
Enquanto cidadäo é um tema que também me deixa inquieto. Nos países onde se regulamentou a eutanásia parece haver dados contraditórios. Apenas defendo que näo vale a pena fingir que o problema näo está aí... Está! E näo há soluçöes fáceis. Portanto há que falar e buscar informaçäo honesta que nos ajude a formar uma opiniäo o mais completa possível.
 
Meu caro Manel.

Mas onde é que eu disse que tu disseste etc?... Porra, já não se pode comentar livremente? :)
 
Oh amigo Vitor!!!
Por quem sois!
Podes e deves comentar livremente.
De facto, a minha resposta tinha mais a ver com o que o CA escrevera. Mas estava só a "incluir-te" na conversa... :) Tinha boa intençäo, portanto!
Diz, diz coisas; com toda a liberdade e fecundidade da tua pena... :)
 
Manuel

Quando referi a "convicçäo profunda da supremacia do valor da vida sobre a tragédia pessoal" (presumo que seja a isto que te referes, pois nunca disse que defendias o que quer que fosse) não estava a pensar que fosses tu a defender a sua imposição pela força. Estava a pensar na hierarquia. A Igreja condena a eutanásia mas a hierarquia condena leis que permitam a eutanásia e condena políticos católicos que aceitem essas leis, não respeitando a autonomia dos leigos. E é isto que me parece errado.
 
Como às vezes há pessoas que me conhecem e que dizem que tenho opinião sobre tudo, devo informar que é assunto em que ainda não consegui formar opinião ...

O que o Víctor diz parece correctíssimo ... mas ... há alguma coisa por dizer, em contrário, que é importante ... Sinto-o, mas ainda não sei bem o que é.

Ando com isto há mais de um ano.
 
O Manuel dizia :"Portanto há que falar e buscar informaçäo honesta que nos ajude a formar uma opiniäo o mais completa possível.".

Sugiro um livro: "Nós não nos despedimos" de Marie de Hennezel, publicado pela Casa das Letras.

Antes de o ler eu pensava que não havia muito a dizer sobre a eutanásia...
 
De facto uma questão complexa que só com a devida reflexão e ponderação se pode chegar a alguma opinião. Que mesmo assim é muito discutível...
 
Caros amigos,
estudei a questão recentemente, ainda que ao de leve. Vejo na postura da Igreja a atitude de quem quer defender a vida humana e não apenas a proposta dum caminho que resulta de determinados credos e não tem nada que ser imposto aos que não acreditam e muito menos ao poder civil. Não se trata de imposição e muito menos de não-separação entre o temporal e o religioso. Mas diante dum governo que apresenta como boa uma atitude destrutiva da dignidade do ser humano, nem a Igreja Católica, nem qualquer cristão – seja de que Igreja for – e nem mesmo qualquer ser humano pode ficar em silêncio em nome da não interferência em âmbitos que extravasam o religioso. São de facto, esferas diferentes mas o cristianismo é mais que uma religião, é mais que uma filosofia, é mais que um conjunto de atitudes… embora tenha traços de tudo isso! "Eu sou a verdade", disse o nosso Deus que para se manifestar entrou, fisicamente, na história humana. Não podemos, então, se O seguimos, ficar de fora, ou indiferentes entregues às nossas oraçõezinhas! A Eutanásia é um suposto "direito ao suicídio assistido" que as pessoas estão convencidas de ter, dado que se consideram indivíduos, dotados de uma dimensão física programada para viver com saúde e robustez. Esquecida a dimensão relacional – com Deus, a origem da vida, com os semelhantes e com a natureza –, esquecida a dimensão espiritual que nos redimensiona, então somos mesmo animais, muito pouco racionais aliás, que podem ser abatidos, sem mais. Esta não é a morte digna duma pessoa, cuja existência se prolongará eternamente, o que lhe confere o direito de viver, o mais intensamente possível, o momento da passagem, quando ele chegar naturalmente e na companhia de familiares e amigos. Pretende-se pôr fim à vida que supostamente já não faz sentido… mas o sentido é este mesmo, o da ressurreição. Descobrí-la e preparar-se para a passagem é tarefa da vida toda mas sobretudo da recta final. Apressar esse momento para não encarar o assunto de frente é fugir à realidade! Acreditar na ressurreição da carne pertence à esfera da fé, mas quanto à sua vivência, ela chegará para todos, mesmo para os que não crêem!
 
Alô!

Esqueci-me de referir o para mim mais importante, porventura porque implícito… É que estar perante uma decisão dessas, de morrer, é do mais fodido que há. E penso agora, é por ser tão obsceno e duro, que é inalienável. Não se pode objectivar, normatizar de fora. Até porque olhar nenhum aguenta a morte de frente, a não ser quando é a própria que a isso força. Só quem decide morrer e Deus é que sabem o que se passa aí, mais ninguém de todo, eu pelo menos nunca. Como dizer seja o que for? Pegar na mão, talvez, sorrir e chorar. Ajudar a morrer. Amar.

Porra!
 
Caro Zé Ribeiro.

Percebo perfeitamente essa “resistência”… Eu também a sinto sem saber muito bem o que é… Penso que tem que ver com estarmos perante uma possibilidade limite… Mas eu reajo um pouco assim à matraca, precisamente porque se discursa sobre ela como se fosse evidente que podemos normatizar tais coisas à revelia da vontade do próprio… Também não tenho certezas… Faz-me é sempre impressão quando se fala juridicamente de tais coisas (eticamente, é outra conversa, e ainda assim…)

Abraço.
 
Caro Paulo de Tarso.

Não percebo muito bem… Todas as suas fundamentações são cristãs… Qual a legitimidade de impô-las a budistas, ateus, agnósticos, etc etc etc?... A não ser que entenda, por contraposição à verdade cristã, que eles vivem todos na mentira, e que o Estado deve impor-lhes a verdade cristã… Mas então, assuma-se a não separação de poderes e instâncias de sentido e significado.

Por outro lado, cristologicamente: a Igreja enquanto instituição social e administrativa não corresponde directa e totalmente ao corpo místico… Há zonas da existência (e o morrer é uma delas) em que nenhum corpo social se encontra inteiramente lá… Cristo, misticamente, sim, mas não sei se vai para lá com decretos… Claro que isto é paradoxal, quero dizer, morre-se sempre sozinho (ou com Deus), e por outro lado conecta-se, como é evidente, com as ligações que temos e pela morte são interrogadas (laços afectivos, morais, políticos, etc)

Nada disto é evidente, realmente…

Um abraço.
 
Amigo Vítor,
de facto as minhas fundamentações são cristãs porque eu acredito no cristianismo e tenho-o não como uma boa opção entre as diversas visões de Deus, da Humanidade e da História, mas como a verdade total que me é oferecida, ainda que eu não a possua na totalidade.
Impô-la coercivamente, a quem quer que seja, não é minha pretensão… Deus não se impõe com agressividade. A fé que tenho sei ser gratuita e limito-me a acolhê-la e agradecer todos os dias. Não posso é deixar de partilhar esta verdade! Não digo que outras religiões ou outras filosofias estejam na mentira, mas sem dúvida que estão numa meia verdade e, em algumas coisas, no erro mesmo. Eu próprio, como qualquer membro da Igreja, posso estar a captar de forma errada a mensagem de Cristo… neste campo resta-nos confiar no Espírito que, de acordo com a promessa de Cristo, nos guia para a verdade total.

Repara Vítor como a fundamentação dos defensores da eutanásia se baseia num falso conceito de humanidade. Não num conceito anti-religioso ou anti-cristão, mas anti-verdadeiro! O relativismo contagia-nos a todos, porque somos filhos do nosso tempo, mas olha que a verdade existe!

A Igreja não tem que se imiscuir nos assuntos governamentais mas menos ainda se pode calar diante da injustiça… e haverá maior injustiça que proteger legalmente a destruição do ser humano.

O que referi acerca dos laços que temos tem que ver com a mágoa que deixamos em quem fica por termos desistido de viver. Dentro duma atitude não egoísta a eutanásia não tem lugar.

Sei que falo do que nunca experimentei, que a morte tem muito de mistério, mas… valha-nos a fé!
 
Alô, amigo Paulo de Tarso.

Bem, a eutanásia… Vai assim… Despessoalizado… Há uns anos, precisamente em Maio de 1997, estava alguém no S. José a morrer de cancro, e não havia cura possível, visto o corpo dele estar já em destruição avançada… Gritava toda a noite e todo o dia, e por mais que se lhe injectasse morfina os gritos e o olhar desperado deflagravam exponencialmente… Por vezes desmaiava (duvido que adormecesse, quero dizer, como nós o fazemos sem dor muita…)

É disto da vida que se trata quando se fala de eutanásia… E não de alguém que pode retomar os laços afectivos, sociais, políticos, etc… E muito menos de “conceitos de humanidade”…

E chega, este tema perturba-me.

Mas os teus argumentos já me interpelam mais relativamente ao suicídio não eutanásico… O relativismo bem entendido é: há um absoluto (por exemplo, o amor ;), e tudo é relativo a ele, orienta-se por ele. Aí se doa sentido (verdade), não se tratam de normas fixas. Dai o Deus dos cristãos ser um Deus da vida e não, como dizia o outro um Deus dos filósofos. A crítica de Ratzinger ao relativismo trata da anulação cultural dum referencial absoluto, e não duma absolutização das relações com esse absoluto…

A questão da relação da verdade cristã com o mundo é outro berbicacho… Por ora, limito-me a dizer que a categoria de verdade, que tem o seu esplendor formal na arte, na religião, na ciência, é muito problemática quando usada politicamente, isto é, na gestão do espaço multi-tudo em que vivemos… E isto seria uma conversa comprida, e já um pouco fora do tema aqui explanado (o que não teria problema nenhum, antes pelo contrário, mas não estou com tempo agora… :)

Um abraço.
 
Vamos fazer assim: pergunte-se ao Job – ele sabe a resposta.

Ao Job, porra! Ao que saltou por cima de tudo, dor e alegria, mal e bem, esperança e desespero, passado e futuro, e por aí fora – frente a Deus, directamente, sem mais.

Não sei é se estou pronto para falar tu cá tu lá com o Job – talvez por ainda ser um catecúmeno-neófito ;)

Irra! Olhar para a morte e para a dor e para a injustiça, sem ira – é difícil!
 
Não concordo, Vítor: Olhar para a injustiça sem ira é, sem dúvida, difícil; mas para a dor e a morte, julgo que não.

E, por estranho que possa parecer, continuo a ter as mais sérias reservas ao que disseste e sou muito mais sensível ao que disse o Paulo - embora reconheça que os argumentos dele não são aplicáveis na esfera laica. Tu terás razão - mas eu não consigo dar-ta.

Sabes: eu sou pelos padrões morais "clássicos" um exemplo vivo de "relaxação": homossexualidade, prostituição, casamento de pessoas do mesmo sexo, homoparentalidade, métodos não-abortivos de controlo de natalidade, doação de esperma, barrigas de aluger, ... nada disto me incomoda, nada disto é moralmente condenável para mim.

A vida - não.

'braço,
ZR.
 
Tenho gostado da discussäo!
No meu post inicial, limitei-me a levantar a questäo, mais do que afirmar uma clara posiçäo pessoal.
No problema da Eutanásia, tal como no do aborto, o coraçäo leva-me à compreensäo do drama de quem passa por essas situaçöes. E por isso näo consigo defender uma penalizaçäo ou uma criminalizaçäo de quem se decide por essas opçöes.
Mas a nível intelectual e ético (e, portanto, da manifestaçäo pública dos princípios...)näo sou capaz de encontrar legitimidade (logo validade subjacente a qualquer regulamentaçäo) para a prática abortiva ou eutanásica.
Perante isto, calo-me, respeitoso, perante situaçöes limite em que as pessoas tomam essa decisäo; mas näo poderia nunca defender o direito de um Estado enquadrar legalmente estas práticas. Até porque se entendemos que há coisas que só na consciência se devem resolver, näo é defensável que peçamos ao Estado que regule essa consciência.
Já sei que muita gente me chamaria ambíguo, hipócrata ou coisas piores. Näo creio que o seja. Assumir radicalizaçöes a esta posiçäo seria uma traiçäo a mim mesmo.
Uma nota final: nunca entendi estas convicçöes como uma derivaçäo da minha fé.
 
Os argumentos contra que António Pardo desenvolve são de uma grande debilidade, todos facilmente rebatíveis, alguns mesmo de uma "mundanidade" confrangedora.

O argumento ético - não provocar deliberadamente a morte de outrém - NÃO é desenvolvido ... só referido de raspão.

Que tonteria! Com professores assim, os discípulos não devem sair muito convencidos da inadmissibilidade da eutanásia ... mesmo na Universidade de Navarra ...

ZR.
 
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