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sexta-feira, maio 26, 2006

Sinais dos tempos 

Nesta altura do ano, um pouco por todo o lado, as crianças da catequese realizam a sua Primeira Comunhão.
Sendo uma tradição cristã de profundo enraizamento sociológico, há muito transbordou as fronteiras do estritamente religioso. Aqui em Espanha está a tornar-se prática corrente um fenómeno curioso que, aliás, ocorre também noutros lugares. A geração pós-transição, entregue ao indiferentismo religioso e ao agnosticismo crescente, vê-se a braços com os filhos a querer uma festa de Primeira Comunhão, como têm os colegas do colégio, apesar de nunca terem frequentado a catequese, nem receberem em casa, dos pais, uma significativa formação cristã, embora façam ainda parte do tal "cristianismo sociológico".
A solução, pragmática como convém nos dias que correm, é fazer uma "primeira Comunhão Civil": veste-se a criancinha de branco, convidam-se a família e os amigos, tiram-se fotografias, faz-se uma festa e fica toda a gente contente.
A Primeira Comunhão é esvaziada do seu sentido religioso e da sua dimensão sacramental, assumindo-se como um ritual de passagem laico.
A História tem destas ironias: tempos houve em que a Igreja pegou nos rituais pagãos e os cristianizou; agora é a vez de a sociedade secularizada pegar nos ritos cristãos e tratar de os paganizar.

Comments:
Manel

aqui está o drama de alguns (poucos) padres, algumas (pouquíssimas) catequistas, que chegando esta época do ano, lá têm que dar a primeira comunhão aos meninos. Digo poucos, porque muitos ficam muito contentes com os números. É só o que é preciso enviar para Roma - números.

Liguei este teu post a um que coloquei hoje com uma citação do Drewermann, em que ele diz que o importante não é mudar este ou aquele artigo na Igreja...e levei esta reflexão toda para o que é a prática na minha paróquia. O meu prior preocupado com o que assinalas resolveu encetar um parâmetro novo - fazem dois meninos ou três de cada vez, durante o ano. O bispo gostou muito, eu abanei logo que não a cabeça e os resultados estão à vista. Os meninos fazem a primeira comunhão num domingo, e nos seguintes, nunca mais se vêem. Porque isto está logo lixado é no baptismo das criancinhas, coisa que ninguém tem a coragem de mexer. Não tenho sequer a certeza que isso resolvesse este problema. Quando eu era criança, só ia à catequese os filhos cujos pais também participavam na Missa. Agora os pais mandam os filhos, mas não vão com eles. E mandam-nos à catequese, porque à missa, não.
São tempos novos! Algum dia isto muda. Como, é que francamente, não sei.
 
Algumas ideias:

-Os ritos de passagem são uma necessidade antropológica, que históricamente foi objecto de sacralização, sendo assumida pelas diversas religiões.
-Com a crise do paradigma cristão, vão ganhando notoriedade outras propostas: umas que se oferecem como alternativa; outras que optam pelo sincretismo.
-As novas propostas alternativas causam aos cristãos perplexidade por recorrerem à simbologia cristã: o mesmo nome, a mesma roupa, as mesmas poses... Mas tal não deixa de ser normal, atendendo ao enraízamento das tradições cristãs, e ao facto de os rituais laicos estarem ainda num processo incoativo de definição. Tal como o cristianismo primitivo teve de se socorrer da simbólica pagã.
-Mas o que está a gerar sérios conflitos são as propostas de sincretismo: o recurso às cerimónias religiosas apenas pelo "faz de conta", sem sustentáculo numa caminhada de fé ou ligaão à comunidade crente. Até que ponto a Igreja pode condescender com os interesses da famílias sem pôr em causa princíios essenciais, esse é o problema. Dramático.
-Finalmente, cabe perceber a contaminação do consumismo e a influência que este tem actualmente na definição das prioridades dos próprios rituais. Sejam religiosos ou laicos.

A quem interesse, deixo uma sugestão de leitura: um artigo da revista dominical do "El Mundo" com o título "La Comunión de Belén costó 3.500 euros". Elucidativo...
JS
 
Uma achega ainda:
Vale a pena recordar que o rito da Primeira Comunhão ainda é relativamente recente (PioIX); tal como o reconhecimento, a nível socio-psicológico, da adolescência enquanto estádio do desenvolvimento humano...
JS
 
Só para dar um exemplo de um baptismo vazio de significado:

A meu pai, eu ser baptizado, circuncidado, ou nada - tanto lhe fazia.

Minha mãe, para não ter problemas quando íamos à aldeia, optou por baptizar-me.

Foi o único contacto "oficial" que tive com a Igreja: nunca me considerei seu filho.

Poupei meus filhos a esse faz-de-conta, que acho uma enorme falta de respeito para com a Igreja: não foram baptizados. Baptizar-se-ão se e quando o quiserem, isto é, se e quando julgarem que o baptismo é importante para eles.

ZR.
 
MC,

Acho que já está a mudar. Com tudo o que isso tem de bom e de mau.
A forma como se concebe e desenvolve a pastoral será profundamente diferente daqui a 20 ou 30 anos. Quer queiramos quer náo, vamos ter de fazer profundas alteraçöes. Esperemos que se façam no sentido certo.
 
Js,
Cada uma dessas tuas ideias dava para umas quantas postas... :)
Também li o artigo do El mundo. As festas da Primeira comunhäo chegam a parecer casamentos...!
 
Zé,

E como tu... a maioria dos que se baptizam.
Neste momento, aposta-se numa preparaçäo prévia para os pais e padrinhos que tem, entre outros objectivos, o de proporcionar a possibilidade de as pessoas pensarem se "aquilo" faz sentido para eles. Bem sei que näo resolve o problema de fundo....
 
Só para me penitenciar por ter cometido um erro de imprecisão ao atribuir o rito da Primeira comunhão a Pio IX. É que entretanto chamaram a minha atenção para uma obra de Jean Delumeau sobre a história da referida cerimónia...
JS
 
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