terça-feira, julho 18, 2006
Gratidão
Nasci pobre, numa aldeia perdida no Alentejo profundo. O acesso ao que agora chamam "bens culturais" era questão que nem se punha: nem sequer se lhes sentia a falta... porque não havia hábitos de "consumo" dessas coisas.
No meio dessa aridez, havia um oásis itinerante: a carrinha/biblioteca da Fundação Calouste Gulbenkian. Uma vez por mês trazia à aldeia um mundo de outros mundos.
Ao longo da minha infância e princípio da adolescência, durante seis ou sete anos, foi essa carrinha mágica que me deu oportunidade de ler muitas centenas de livros. Devorei tudo o que havia, com a sofreguidão própria dos adictos. Teoricamente só se podiam requisitar 3 (ou seriam 5?) livros de cada vez; mas depressa convenci o simpático senhor Sampaio, responsável pelo acompanhamento, selecção e empréstimos, que essas "doses" não davam nem para uma semana. E tornou-se um hábito levar para casa um saco cheio de livros, responsáveis pelos recorrentes raspanetes da minha mãe, por ficar a ler até de madrugada...
Foi também a minha mãe que me ensinou a expressar gratidão àqueles que nos ajudam ao longo da vida. A Fundação Calouste Gulbenkian cumpre hoje cinquenta anos. Aqui fica a minha homenagem e o meu agradecimento.
Comments:
:) São realidades distantes e de facto nunca imagei que houvesse uma carrinha mágica! Obrigada pela história e os Parabéns à Fundação.
Eram 3 ...
Na minha adolescência, anos 60, uma dessas carrinhas ( Citroën ) estacionava periodicamente no Jardim Constantino ( entre a Portugália e a Estefânia ). E eu, que até tinha muitos livros em casa, e que não vivia longe de uma boa biblioteca municpal ( Campo Pequeno ), requisitei muitos ...
Os russos do sec XIX ( o meu pai destestava-os e não os tinha ) li-os todos assim ...
É fácil argumentar - explosão de bibliotecas municipais, livros online - que esse serviço hoje não se justifica. Mas eu tenho dúvidas ...
A Fundação Gulbenkian, como todas as fundações análogas - baseadas em riquezas acumuladas por capitalistas à custa da exploração dos homens e dos recursos naturais - é um muito interessante exemplo de transformação do Mal em Bem.
Boas férias,
ZR.
( Abalarei de Bragança para Santiago em 14 de Agosto; em Ponte de Lima, meio caminho, virei ao teu blog ).
Na minha adolescência, anos 60, uma dessas carrinhas ( Citroën ) estacionava periodicamente no Jardim Constantino ( entre a Portugália e a Estefânia ). E eu, que até tinha muitos livros em casa, e que não vivia longe de uma boa biblioteca municpal ( Campo Pequeno ), requisitei muitos ...
Os russos do sec XIX ( o meu pai destestava-os e não os tinha ) li-os todos assim ...
É fácil argumentar - explosão de bibliotecas municipais, livros online - que esse serviço hoje não se justifica. Mas eu tenho dúvidas ...
A Fundação Gulbenkian, como todas as fundações análogas - baseadas em riquezas acumuladas por capitalistas à custa da exploração dos homens e dos recursos naturais - é um muito interessante exemplo de transformação do Mal em Bem.
Boas férias,
ZR.
( Abalarei de Bragança para Santiago em 14 de Agosto; em Ponte de Lima, meio caminho, virei ao teu blog ).
Também eu moro numa aldeia neste Alentejo e também eu esperava ansiosamente a vinda desta carrinha... era realmente um momento muito esperado... lembro-me também de um senhor já idoso aqui da minha aldeia, lembro-me de esperar com ele a carrinha... lembro-me dele porque devo a ele e à carrinha o gosto pela leitura. depois da passagem da carrinha lá mostrávamos um ao outro os livros que haviamos requisitado... O livro que mais me lembro foi o Feitiçeiro de Oz... lembro-me de ter adorado o livro na altura... grandes momentos me proporcionou esta carrinha... :)
Também eu em tempos idos, esperava pacientemente pela carrinha, penso que pelos meus lados era de 15 em 15 dias. Fizeste recordar-me tempos bons, uma infância que não tinha nada, comparada com os dias de hoje mas, onde tinha paz, amor e amizade.
Também tive essa experiência. Que me enriqueceu em todos os sentidos.
Por isso deixo também aqui o meu bem hajam.
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Por isso deixo também aqui o meu bem hajam.