sexta-feira, outubro 06, 2006
Pecado e sofrimento
Centrar a atençäo no pecado, às vezes de forma quase obsessiva, faz esquecer o subjacente e fundamental problema do sofrimento humano.
Este tem sido, em meu entender, um grave erro da Igreja, mesmo se, admitamos, o faz enquadrado num discurso sobre a misericórdia e o perdäo de Deus.
Nesta questäo interessa, como em todas, aliás, voltar os olhos para Jesus e para as suas prioridades na relaçäo com aqueles que dele se aproximavam. A sua atençäo centrou-se sempre no sofrimento humano, encarada com uma atitude de compaixäo redentora.
A dificuldade näo está em saber se o pecado existe ou näo, mas na sua interpretaçäo. Começando por ser "o mal que o homem faz", só começa a ser "pecado" quando interpretado no quadro religioso e, portanto, de relaçäo com a trancendência. Isto implica que a interpretaçäo pode ser errónea, por mil razöes. Daqui deriva a fácil queda no moralismo e outros tiques crónicos de quem muito interpreta e pouco ama.
Parece-me urgente, por uma questäo de fidelidade ao evangelho e até de estratégia pastoral, recentrar o problema do "mal" na vida humana, olhando-o, em primeiro lugar, como fonte de sofrimento humano a carecer de redençäo. Näo significa tal recentramento, como é óbvio, perder o sentido do pecado; significa apenas pô-lo no seu devido lugar.
Comments:
A minha ignorância nestas coisas é muito grande e provavelmente direi disparates, mas vou soltar-me.
Desde pequenino que o pecado original me parece um grande disparate.
Aquilo de querermos provar da árvore do conhecimento; de Deus no-lo proibir; de Lhe termos desobedecido; de Ele nos castigar, fazendo-nos descer de estado; de o pecado original se transmitir na concepção; de todos nascermos pecadores; de necessitarmos do baptismo para ficarmos limpos do pecado original - tudo isto é um amontoado de algumas coisas certas e muitos disparates.
Em primeiro lugar, isto ofende a minha consciência moral: eu não posso ser responsável pelo que algum antepassado meu fez ou não fez. E a minha salvação ( o que quer se entenda por isto ) não pode estar dependente de eu ter sido ou não baptizado.
Em segundo lugar, isto ofende a minha dignidade de homem, ser que pensa e que procura o conhecimento, orgulhosamente homem.
Em terceiro lugar, isto rebaixa Deus à categoria de um tiranete obscurantista.
Em quarto lugar, o acto sexual, mesmo tendo como resultado a procriação, aparece como manchado por ser veículo da transmissão do pecado.
Tudo isto é um disparate.
Como vejo as coisas?
Deus criou o mundo; este, como não é Deus, é necessariamente imperfeito. Mas, numa acto de amor, Deus dotou-o da capacidade de evoluir, de se aproximar d'Ele.
Primeiro na formação de átomos a partir das partículas elementares; depois, na formação de moléculas a partir de átomos; depois, na formação de compostos orgânicos; depois, no aparecimento de organismos vivos; depois, no desenvolvimento do sistema nervoso central, até se constituir a base material da înteligência, da consciência e do espírito.
Aqui, neste planeta, e, de certeza, em muitos outros pontos do Universo, seres inteligentes, conscientes e possuidores de espírito procuram imitar Deus e dar o passo seguinte.
O que entendo por "imitar Deus"? Somos feitos à imagem e semelhança de Deus porque amamos; só por isto. Imperfeitamente, mas amamos. E o passo seguinte é a formação de uma inteligência/consciência/espírito única, que se reúna a Deus, o que só é possível através do amor.
A Encarnação serviu para nos orientar neste caminho. Talvez outra encarnações, noutros pontos do Universo, tenham tido lugar, com o mesmo objectivo.
Claro que somos imperfeitos: amamos imperfeitamente; e, depois de funcionarmos por um tempo, desorganizamo-nos e os nossos corpos morrem. E toda esta evolução é acompanhada ( pelo menos desde a formação da consciência ) de um imenso sofrimento. Mas haveria outra maneira? Se a Criação é imperfeita ( não é o Criador ), mas é dotada da extraordinária capacidade de evoluir, haveria outra maneira?
Esta imperfeição da Criação é o pecado. Que se reforça quando algo ocorre que contraria o processo de aperfeiçoamento: eu pequei quando, há uns posts atrás, falhei no amor e não dei ao puto punk mal-cheiroso o dinheiro de que ele precisava para chegar ao Porto.
Mas para quê pôr o acento no pecado original? É um truismo, uma banalidade a imperfeição da Criação, a omnipresença do pecado. O que é estimulante, o que nos impele para Deus é que Ele nos chama a colaborar com Ele no aperfeiçoamento da Criação; que Ele nos garante que no fim dos tempos todo o sofrimento terá um sentido e que este sentido será evidente pelo nosso próprio esforço. Com a Graça de Deus e pela Graça de Deus - porque essa capacidade de evolução da criação é a Graça de Deus, que Ele nela infundiu originalmente.
É a Graça Original que nos interessa; o pecado original é uma banalidade.
( E desculpem os disparates. )
Beijinhos para todos.
ZR.
Desde pequenino que o pecado original me parece um grande disparate.
Aquilo de querermos provar da árvore do conhecimento; de Deus no-lo proibir; de Lhe termos desobedecido; de Ele nos castigar, fazendo-nos descer de estado; de o pecado original se transmitir na concepção; de todos nascermos pecadores; de necessitarmos do baptismo para ficarmos limpos do pecado original - tudo isto é um amontoado de algumas coisas certas e muitos disparates.
Em primeiro lugar, isto ofende a minha consciência moral: eu não posso ser responsável pelo que algum antepassado meu fez ou não fez. E a minha salvação ( o que quer se entenda por isto ) não pode estar dependente de eu ter sido ou não baptizado.
Em segundo lugar, isto ofende a minha dignidade de homem, ser que pensa e que procura o conhecimento, orgulhosamente homem.
Em terceiro lugar, isto rebaixa Deus à categoria de um tiranete obscurantista.
Em quarto lugar, o acto sexual, mesmo tendo como resultado a procriação, aparece como manchado por ser veículo da transmissão do pecado.
Tudo isto é um disparate.
Como vejo as coisas?
Deus criou o mundo; este, como não é Deus, é necessariamente imperfeito. Mas, numa acto de amor, Deus dotou-o da capacidade de evoluir, de se aproximar d'Ele.
Primeiro na formação de átomos a partir das partículas elementares; depois, na formação de moléculas a partir de átomos; depois, na formação de compostos orgânicos; depois, no aparecimento de organismos vivos; depois, no desenvolvimento do sistema nervoso central, até se constituir a base material da înteligência, da consciência e do espírito.
Aqui, neste planeta, e, de certeza, em muitos outros pontos do Universo, seres inteligentes, conscientes e possuidores de espírito procuram imitar Deus e dar o passo seguinte.
O que entendo por "imitar Deus"? Somos feitos à imagem e semelhança de Deus porque amamos; só por isto. Imperfeitamente, mas amamos. E o passo seguinte é a formação de uma inteligência/consciência/espírito única, que se reúna a Deus, o que só é possível através do amor.
A Encarnação serviu para nos orientar neste caminho. Talvez outra encarnações, noutros pontos do Universo, tenham tido lugar, com o mesmo objectivo.
Claro que somos imperfeitos: amamos imperfeitamente; e, depois de funcionarmos por um tempo, desorganizamo-nos e os nossos corpos morrem. E toda esta evolução é acompanhada ( pelo menos desde a formação da consciência ) de um imenso sofrimento. Mas haveria outra maneira? Se a Criação é imperfeita ( não é o Criador ), mas é dotada da extraordinária capacidade de evoluir, haveria outra maneira?
Esta imperfeição da Criação é o pecado. Que se reforça quando algo ocorre que contraria o processo de aperfeiçoamento: eu pequei quando, há uns posts atrás, falhei no amor e não dei ao puto punk mal-cheiroso o dinheiro de que ele precisava para chegar ao Porto.
Mas para quê pôr o acento no pecado original? É um truismo, uma banalidade a imperfeição da Criação, a omnipresença do pecado. O que é estimulante, o que nos impele para Deus é que Ele nos chama a colaborar com Ele no aperfeiçoamento da Criação; que Ele nos garante que no fim dos tempos todo o sofrimento terá um sentido e que este sentido será evidente pelo nosso próprio esforço. Com a Graça de Deus e pela Graça de Deus - porque essa capacidade de evolução da criação é a Graça de Deus, que Ele nela infundiu originalmente.
É a Graça Original que nos interessa; o pecado original é uma banalidade.
( E desculpem os disparates. )
Beijinhos para todos.
ZR.
Manel:
Eu sei que parece que o meu comentário não está muito ligado ao teu post. Mas está - ao menos na minha cabeça.
Desde puto que a noção corrente de pecado me parece inadequada. Desde puto que me parece que, se foi para nos salvar do que vulgarmente são considerados pecados, não valia a pena Deus ter-se dado à maçada de encarnar.
Psicologicamente, também nunca o medo do pecado - e das terríveis consequências - me habitou.
O que sempre me intrigou foi o sentido. E só consigo dar significado ao pecado como algo que contraria o sentido.
E deve ser terrível ser-se atormentado pelo pavor de pecar e de sofrer as consequências. Não consigo perceber como um cristão pode viver assim, esquecido da misericórdia de Deus ( e, claro, tentando sempre não pecar; e sempre caindo, para voltar a levantar-se ).
Pessoalmente, estou convencido que o Inferno existe - mas que está vazio. Pela infinita misericórdia de Deus, está vazio. E o pessoal do quadro arrepia-se com a perspectiva de, no fim dos Tempos, até eles serem justificados.
Acho que toda a gente sabe isto - mas não pode dizer-se, para não desequilibrar o sistema.
Acho que um cristão deve sentir-se como se fosse levado por Deus ao colo: claro que tudo de mau lhe pode suceder - mas nada tem importância.
Bom fim de semana,
ZR.
Eu sei que parece que o meu comentário não está muito ligado ao teu post. Mas está - ao menos na minha cabeça.
Desde puto que a noção corrente de pecado me parece inadequada. Desde puto que me parece que, se foi para nos salvar do que vulgarmente são considerados pecados, não valia a pena Deus ter-se dado à maçada de encarnar.
Psicologicamente, também nunca o medo do pecado - e das terríveis consequências - me habitou.
O que sempre me intrigou foi o sentido. E só consigo dar significado ao pecado como algo que contraria o sentido.
E deve ser terrível ser-se atormentado pelo pavor de pecar e de sofrer as consequências. Não consigo perceber como um cristão pode viver assim, esquecido da misericórdia de Deus ( e, claro, tentando sempre não pecar; e sempre caindo, para voltar a levantar-se ).
Pessoalmente, estou convencido que o Inferno existe - mas que está vazio. Pela infinita misericórdia de Deus, está vazio. E o pessoal do quadro arrepia-se com a perspectiva de, no fim dos Tempos, até eles serem justificados.
Acho que toda a gente sabe isto - mas não pode dizer-se, para não desequilibrar o sistema.
Acho que um cristão deve sentir-se como se fosse levado por Deus ao colo: claro que tudo de mau lhe pode suceder - mas nada tem importância.
Bom fim de semana,
ZR.
"Acho que um cristão deve sentir-se como se fosse levado por Deus ao colo: claro que tudo de mau lhe pode suceder - mas nada tem importância".
Servindo-me do teu último parágrafo, Zé Ribeiro, devo dizer-te que gosto mais de ser levada ao colo do nosso Pai.
Essa fase do Deus de dedo esticado e castigador já passou há muito tempo. Prefiro vê-lo clemente e cheio de amor por nós, criaturas imperfeitas.
Penso, ainda, que o grande pecado é o de nos querermos substituir a Ele e afirmarmos a "nossa perfeição".
Eu aprendo com os meus erros e, neste momento, há já muitos momentos, iniciei um processo de reconversão que está a ser muito doloroso.
Obrigada Manel por nos facultares o teu adro para abrirmos a alma e o caração.
Beijos peregrinos
Servindo-me do teu último parágrafo, Zé Ribeiro, devo dizer-te que gosto mais de ser levada ao colo do nosso Pai.
Essa fase do Deus de dedo esticado e castigador já passou há muito tempo. Prefiro vê-lo clemente e cheio de amor por nós, criaturas imperfeitas.
Penso, ainda, que o grande pecado é o de nos querermos substituir a Ele e afirmarmos a "nossa perfeição".
Eu aprendo com os meus erros e, neste momento, há já muitos momentos, iniciei um processo de reconversão que está a ser muito doloroso.
Obrigada Manel por nos facultares o teu adro para abrirmos a alma e o caração.
Beijos peregrinos
ZR,
"É a Graça Original que nos interessa; o pecado original é uma banalidade."
Esta tua frase resume todo o palavreado que eu usei e condensa a ideia mestra de tudo o que eu te pudesse aqui acrescentar...
O que é que estavas a dizer sobre a tua ignorância e os teus disparates??? :)
Abraço
"É a Graça Original que nos interessa; o pecado original é uma banalidade."
Esta tua frase resume todo o palavreado que eu usei e condensa a ideia mestra de tudo o que eu te pudesse aqui acrescentar...
O que é que estavas a dizer sobre a tua ignorância e os teus disparates??? :)
Abraço
Carissimo Pe. Manuel,
Os excessos são sempre nocivos. O excesso de falar exclusivamente do sofrimento humano evitando qualquer referência ao pecado é tão grave como excesso que refere no seu post.
Por outro lado, é inegável o nexo existente entre o sofrimento e o pecado. Muitas vezes, na base do sofrimento pode encontrar-se, como causa última, o pecado. Ora, qualquer pessoa sabe que, eliminando a causa, eliminam-se também os efeitos principais da mesma.
Por último, penso que, se a Igreja, da qual eu e o Sr. Pe. Manuel fazemos parte e, da qual, temos recebido tantos dons, muitas vezes insiste sobre o pecado, não é para valorizar o pecado em si, mas sim a Graça que nos é dada, de tal modo que, pecado e Graça divina não têm uma importância meramente acidental, mas fazem parte do núcleo da Redenção.
Podia citar-lhe vários textos da Sagrada Escritura que o comprovam (as primeiras palavras de Jesus no Evangelho de S. Marcos, o testemunho que João Baptista dá de Jesus Cristo, além de toda a Paixão do Senhor nos Evangelhos).
Não é verdade que Jesus se tenha centrado sempre no sofrimento humano em detrimento do perdão dos pecados. Há, pelo menos, uma ocasião em que, ao ser-Lhe apresentado um paralítico, a primeira coisa que Nosso Senhor lhe diz é: "Os teus pecados estão perdoados". Claro, há sempre a possibilidade de Nosso Senhor se ter enganado e o Pe. Manuel ter razão :)
Um forte abraço,
JP
Os excessos são sempre nocivos. O excesso de falar exclusivamente do sofrimento humano evitando qualquer referência ao pecado é tão grave como excesso que refere no seu post.
Por outro lado, é inegável o nexo existente entre o sofrimento e o pecado. Muitas vezes, na base do sofrimento pode encontrar-se, como causa última, o pecado. Ora, qualquer pessoa sabe que, eliminando a causa, eliminam-se também os efeitos principais da mesma.
Por último, penso que, se a Igreja, da qual eu e o Sr. Pe. Manuel fazemos parte e, da qual, temos recebido tantos dons, muitas vezes insiste sobre o pecado, não é para valorizar o pecado em si, mas sim a Graça que nos é dada, de tal modo que, pecado e Graça divina não têm uma importância meramente acidental, mas fazem parte do núcleo da Redenção.
Podia citar-lhe vários textos da Sagrada Escritura que o comprovam (as primeiras palavras de Jesus no Evangelho de S. Marcos, o testemunho que João Baptista dá de Jesus Cristo, além de toda a Paixão do Senhor nos Evangelhos).
Não é verdade que Jesus se tenha centrado sempre no sofrimento humano em detrimento do perdão dos pecados. Há, pelo menos, uma ocasião em que, ao ser-Lhe apresentado um paralítico, a primeira coisa que Nosso Senhor lhe diz é: "Os teus pecados estão perdoados". Claro, há sempre a possibilidade de Nosso Senhor se ter enganado e o Pe. Manuel ter razão :)
Um forte abraço,
JP
JP,
É sempre um prazer ver-te por aqui.
Dizes: "O excesso de falar exclusivamente do sofrimento humano evitando qualquer referência ao pecado é tão grave como excesso que refere no seu post".
Näo descortino onde foste buscar pretexto no que escrevi para afirmares isto. Falei de "tendências", de "necessidade de recentrar" e de "dar ao pecado o seu lugar devido" na pastoral da Igreja. Bastante diferente das absolutizaçöes que tu descobriste.
Quanto ao que afirmas sobre a atitude da Igreja de valorizar a Graça, estou de acordo. Afirmei e mantenho que é aí que tem sido recorrente um excessivo centramento no pecado, mesmo se por trás estiver estiver a ideia de Graça.
Com certeza que me podes citar muitos textos da Escritura para fundamentares o que queres dizer. E eu poderia citar-te outros tantos, ou mais, para fundamentar as ideias que apresentei...
Mas parece-me mais importante tentar descortinar o espírito por trás das palavras, as atitudes fundamentais de Jesus, os mandamentos essenciais. E aí, meu caro colega, é preciso perceber, por exemplo, que deve ter havido alguma razäo para Jesus ter resumido os mandamentos (a maioria deles de carácter negativo e centrado, precisamente, na evitaçäo do pecado - Näo farás qualquer coisa...") num só, de carácter positivo e representativo de tudo o que eu pretendia afirmar no meu texto inicial.
Alegro-me com a tua descoberta de "pelo menos, uma ocasião" em que Jesus parece dar-te razäo, permitindo-te uma refinadíssima ironia final.
Claro que eu também poderia fundamentar a negaçäo da existência de Deus citando a Bíblia, que afirma: "Näo existe Deus"; se me 'esquecesse' de citar o que se segue: ..."diz o ímpio no seu coraçäo".
Mudando de assunto: eliminaste as caixas de comentários do teu blogue. É pena. Assim näo posso lá ir deixar umas citaçöes do meu agrado para contrapôr a alguns dos argumentos que por lá apresentas. Mas poderemos sempre trocar ideias aqui.
Abraço
É sempre um prazer ver-te por aqui.
Dizes: "O excesso de falar exclusivamente do sofrimento humano evitando qualquer referência ao pecado é tão grave como excesso que refere no seu post".
Näo descortino onde foste buscar pretexto no que escrevi para afirmares isto. Falei de "tendências", de "necessidade de recentrar" e de "dar ao pecado o seu lugar devido" na pastoral da Igreja. Bastante diferente das absolutizaçöes que tu descobriste.
Quanto ao que afirmas sobre a atitude da Igreja de valorizar a Graça, estou de acordo. Afirmei e mantenho que é aí que tem sido recorrente um excessivo centramento no pecado, mesmo se por trás estiver estiver a ideia de Graça.
Com certeza que me podes citar muitos textos da Escritura para fundamentares o que queres dizer. E eu poderia citar-te outros tantos, ou mais, para fundamentar as ideias que apresentei...
Mas parece-me mais importante tentar descortinar o espírito por trás das palavras, as atitudes fundamentais de Jesus, os mandamentos essenciais. E aí, meu caro colega, é preciso perceber, por exemplo, que deve ter havido alguma razäo para Jesus ter resumido os mandamentos (a maioria deles de carácter negativo e centrado, precisamente, na evitaçäo do pecado - Näo farás qualquer coisa...") num só, de carácter positivo e representativo de tudo o que eu pretendia afirmar no meu texto inicial.
Alegro-me com a tua descoberta de "pelo menos, uma ocasião" em que Jesus parece dar-te razäo, permitindo-te uma refinadíssima ironia final.
Claro que eu também poderia fundamentar a negaçäo da existência de Deus citando a Bíblia, que afirma: "Näo existe Deus"; se me 'esquecesse' de citar o que se segue: ..."diz o ímpio no seu coraçäo".
Mudando de assunto: eliminaste as caixas de comentários do teu blogue. É pena. Assim näo posso lá ir deixar umas citaçöes do meu agrado para contrapôr a alguns dos argumentos que por lá apresentas. Mas poderemos sempre trocar ideias aqui.
Abraço
O Pecado Não Mora ao Lado...
Toda a pessoa erra, desencontra-se com o caminho, supostamente, “certo”, falha, perde-se por atalhos obscuros. Todos se incluem nesta fragilidade e limitação do ser humano. Por isso digo, o Pecado não Mora ao Lado, habita em todo o lado, na minha e na tua casa, no nosso vizinho do lado, no estranho que passa por nós na rua... E, contudo, parece que nem todos têm direito à redenção, mesmo que a desejem. São excluídos e remetidos a uma prisão feita de ódio, descriminação. Se somos todos, em princípio, filhos de Deus, se quando me dão um estalo ofereço a outra face, por muito grave que seja o Pecado, seria gracioso dedicar algum do nosso tempo a escutar, ajudar, reencaminhar quem sofre e precisa de ajuda, em vez de banir, omitir e afastar.
A frase “amai-vos uns aos outros como Deus nos amou” é quase que utópica, porém conduz-nos ao cerne da questão
Livre de dogmas e preconceitos, aprendi a aceitar os outros como iguais. Aprendi a respeitar e cultivar a amizade e o amor como sentimentos supremos da Humanidade, assim como a dignidade e a liberdade.
O Pecado existe, é incontornável a constatação, mas temos colocado no lugar devido, ou seja, nem dando maior ou menor atenção, mas permitindo sempre um olhar feito de amor e compreensão, onde a palavra redenção é sempre uma possibilidade em aberto.
Se todos somos Humanos, logo todos temos telhados de vidro, daí que, convém antes criticar, pensar que um destes dias podemos ser nós o alvo a abater.
Toda a pessoa erra, desencontra-se com o caminho, supostamente, “certo”, falha, perde-se por atalhos obscuros. Todos se incluem nesta fragilidade e limitação do ser humano. Por isso digo, o Pecado não Mora ao Lado, habita em todo o lado, na minha e na tua casa, no nosso vizinho do lado, no estranho que passa por nós na rua... E, contudo, parece que nem todos têm direito à redenção, mesmo que a desejem. São excluídos e remetidos a uma prisão feita de ódio, descriminação. Se somos todos, em princípio, filhos de Deus, se quando me dão um estalo ofereço a outra face, por muito grave que seja o Pecado, seria gracioso dedicar algum do nosso tempo a escutar, ajudar, reencaminhar quem sofre e precisa de ajuda, em vez de banir, omitir e afastar.
A frase “amai-vos uns aos outros como Deus nos amou” é quase que utópica, porém conduz-nos ao cerne da questão
Livre de dogmas e preconceitos, aprendi a aceitar os outros como iguais. Aprendi a respeitar e cultivar a amizade e o amor como sentimentos supremos da Humanidade, assim como a dignidade e a liberdade.
O Pecado existe, é incontornável a constatação, mas temos colocado no lugar devido, ou seja, nem dando maior ou menor atenção, mas permitindo sempre um olhar feito de amor e compreensão, onde a palavra redenção é sempre uma possibilidade em aberto.
Se todos somos Humanos, logo todos temos telhados de vidro, daí que, convém antes criticar, pensar que um destes dias podemos ser nós o alvo a abater.
Olá, Zé Ribeiro.
Bem, alguns problemas desta nhurra e lírica cabeça ao ler o teu comentário… ;)
Os dogmas são obras de fé, e não do entendimento… Isto significa (entre many autres coisas) que mais do que entendê-los na sua totalidade, nos entendemos a nós próprios a partir deles (por exemplo e relativamente ao pecado original, a nossa contradição pessoal, assim como o lindo trabalho terrestre e societal da nossa mui amada espécie :P
Isto não significa evidentemente que o entendimento não é requerido na relação com a fé (tal como o é numa relação afectiva ou na escrita dum poema ou etc, para ranhosamente analogizar…) Mas que, como disse tão bem o avatar da noção de pecado original, o grande Aurélio, é mais o entendimento a guiar-se pela força vital da fé (ou do amor, ou da beleza)… Aliás porque isso de a razão se orientar a partir de si própria é a catequese do Aufklarung (eh eh eh) mas não é nada líquida nem óbvia para quem tenazmente interroga tal pretensão.
Quanto à transmissão, não percebo… Estás a falar do sexo dos anjos?... O facto de se transmitirem doenças também não mancha a sexualidade… Que raio, transmites a tua condição na procriação, ou não?...
É evidente que a perfeição da criatura não é a de Deus… Aliás, Deus não tendo limites, melhor seria chamá-lo supra-perfeito… A perfeição (o acabamento) das plenas condições de vida na criação ainda está por ver ;) mas não corresponde à natureza de Deus, a não ser por plena participação na sua restrita medida (um pato perfeitinho perfeitinho nunca será Deus :) :) Ou um poema, sei lá… Não sei se é atingível ou não, se tal não é uma permanente e infinda tensão… mas seja como for, nunca será uma correspondência directa com o próprio Deus (tal como Jesus não é estritamente Deus…)
Quanto ao inferno, outro problema… O inferno corresponde à negação existencial da comunhão com Deus… Este não permiti-lo, não seria misericórdia, mas precisamente… tirania.
Enfim, isto, como disse são problemas que se me deparam ao ler o teu comentário, perplexidades minhas acerca destas coisas… Não estou a dizer que não é como tu dizes… Mas espanta-me sempre o tom assertivo que nós tomamos a falar de mistérios (é por estas e por outras que não aguento mais do que dez páginas de catecismo duma vez :P
Por outro lado e pelo contrário, gosto do tom assertivo no estilo polémico… Mas hoje em dia as sensibilidades (ou talvez, a segurança identitária) anda (m) um pouco frágeis para tais dialécticas. Levamo-nos muito a sério, ou algo assim, e talvez isto seja um bem (é a adolescência :P
Este último parágrafo não tem muito que ver com este comentário, nem com o teu, nem com o post… mas pronto.
Abraço.
Bem, alguns problemas desta nhurra e lírica cabeça ao ler o teu comentário… ;)
Os dogmas são obras de fé, e não do entendimento… Isto significa (entre many autres coisas) que mais do que entendê-los na sua totalidade, nos entendemos a nós próprios a partir deles (por exemplo e relativamente ao pecado original, a nossa contradição pessoal, assim como o lindo trabalho terrestre e societal da nossa mui amada espécie :P
Isto não significa evidentemente que o entendimento não é requerido na relação com a fé (tal como o é numa relação afectiva ou na escrita dum poema ou etc, para ranhosamente analogizar…) Mas que, como disse tão bem o avatar da noção de pecado original, o grande Aurélio, é mais o entendimento a guiar-se pela força vital da fé (ou do amor, ou da beleza)… Aliás porque isso de a razão se orientar a partir de si própria é a catequese do Aufklarung (eh eh eh) mas não é nada líquida nem óbvia para quem tenazmente interroga tal pretensão.
Quanto à transmissão, não percebo… Estás a falar do sexo dos anjos?... O facto de se transmitirem doenças também não mancha a sexualidade… Que raio, transmites a tua condição na procriação, ou não?...
É evidente que a perfeição da criatura não é a de Deus… Aliás, Deus não tendo limites, melhor seria chamá-lo supra-perfeito… A perfeição (o acabamento) das plenas condições de vida na criação ainda está por ver ;) mas não corresponde à natureza de Deus, a não ser por plena participação na sua restrita medida (um pato perfeitinho perfeitinho nunca será Deus :) :) Ou um poema, sei lá… Não sei se é atingível ou não, se tal não é uma permanente e infinda tensão… mas seja como for, nunca será uma correspondência directa com o próprio Deus (tal como Jesus não é estritamente Deus…)
Quanto ao inferno, outro problema… O inferno corresponde à negação existencial da comunhão com Deus… Este não permiti-lo, não seria misericórdia, mas precisamente… tirania.
Enfim, isto, como disse são problemas que se me deparam ao ler o teu comentário, perplexidades minhas acerca destas coisas… Não estou a dizer que não é como tu dizes… Mas espanta-me sempre o tom assertivo que nós tomamos a falar de mistérios (é por estas e por outras que não aguento mais do que dez páginas de catecismo duma vez :P
Por outro lado e pelo contrário, gosto do tom assertivo no estilo polémico… Mas hoje em dia as sensibilidades (ou talvez, a segurança identitária) anda (m) um pouco frágeis para tais dialécticas. Levamo-nos muito a sério, ou algo assim, e talvez isto seja um bem (é a adolescência :P
Este último parágrafo não tem muito que ver com este comentário, nem com o teu, nem com o post… mas pronto.
Abraço.
Bolas... mas nós não temos outro remédio senão ser assertivos, para olhar de frente a vida... tal como o toureiro tem de estar seguro... mas quererei sempre a ressalva da ironia (obrigado poeta)...
Vitor,
"Jesus não é estritamente Deus".
Sabes que ainda podes ir parar à fogueira, näo sabes? Estás consciente da heresia ariana em que se move a tua alma? Humm... Cuidado contigo! :)
Abraço
"Jesus não é estritamente Deus".
Sabes que ainda podes ir parar à fogueira, näo sabes? Estás consciente da heresia ariana em que se move a tua alma? Humm... Cuidado contigo! :)
Abraço
Huuuum… esperemos que seja a fogueira purificante do purgatório :)
O arianismo não é propriamente isso, mas foca (tal como toda a heresia ;) um dos problemas do escândalo cristão, ou se preferires, contradição. É evidente que o Deus criador e intemporal não é ESTRITAMENTE aquele judeu mortal que viveu na Palestina etc. Dizer que sim sem se escandalizar ou perturbar no entendimento não é nem ser hereje nem ortodoxo, pois que para ser um ou outro é preciso ter enfrentado o problema.
Dito isto, não tenho nada contra as heresias, ou melhor, o que me perturba nas heresias, tal como no magistério é o grau de certeza e redução intelígivel dos mistérios. A heresia é uma categoria teológica de confrontação com a narrativa da revelação – enfim, mas isso seria outra conversa…
Claro que a minha alma se move na heresia ariana, tal como em muitas outras, senão não se moveria ;)
A questão que me interpela em Jesus não é bem (ou, é menos) como é que Ele é Ele (não me parece que a « consubstancialidade », « da mesma natureza », « absoluta transparência » e outras categorizações com que as nossas gentis tolas embatem no mistério da incarnação signifiquem ESTRITA identidade… Ou então teremos que dizer que a criação foi executada por um humano, por exemplo…) mas dizia eu que o que me interpela em Jesus (hoje, claro, pois que como a alma se move, amanhã… ;) é : que rosto de Deus e do humano se configura e revela nos actos, comportamentos e fé de Jesus.
Que Deus é este ?
E sempre foi este o motor e o espanto que fulgura nos humanos, e também nos textos bíblicos.
O arianismo não é propriamente isso, mas foca (tal como toda a heresia ;) um dos problemas do escândalo cristão, ou se preferires, contradição. É evidente que o Deus criador e intemporal não é ESTRITAMENTE aquele judeu mortal que viveu na Palestina etc. Dizer que sim sem se escandalizar ou perturbar no entendimento não é nem ser hereje nem ortodoxo, pois que para ser um ou outro é preciso ter enfrentado o problema.
Dito isto, não tenho nada contra as heresias, ou melhor, o que me perturba nas heresias, tal como no magistério é o grau de certeza e redução intelígivel dos mistérios. A heresia é uma categoria teológica de confrontação com a narrativa da revelação – enfim, mas isso seria outra conversa…
Claro que a minha alma se move na heresia ariana, tal como em muitas outras, senão não se moveria ;)
A questão que me interpela em Jesus não é bem (ou, é menos) como é que Ele é Ele (não me parece que a « consubstancialidade », « da mesma natureza », « absoluta transparência » e outras categorizações com que as nossas gentis tolas embatem no mistério da incarnação signifiquem ESTRITA identidade… Ou então teremos que dizer que a criação foi executada por um humano, por exemplo…) mas dizia eu que o que me interpela em Jesus (hoje, claro, pois que como a alma se move, amanhã… ;) é : que rosto de Deus e do humano se configura e revela nos actos, comportamentos e fé de Jesus.
Que Deus é este ?
E sempre foi este o motor e o espanto que fulgura nos humanos, e também nos textos bíblicos.
Eu compreendo perfeitamente o que o Vítor quer dizer ...
De todas as passagens dos Evangelhos cada um tem dentro de si mais esta ou aquela, consoante a sua história particular.
No meu caso é: "E vocês: quem é que dizem que eu sou?". Ao ler isto, é clarinho que a pergunta não é feita aqueles doze mamíferos - mas a mim. Vejo, claramente vista, a face de Jesus perguntando-me "E tu, José Manuel Gonçalves Ribeiro: quem é que achas que eu sou?". E Ele diz isto com olhos risonhos e ar meio gozão, como que dizendo para si próprio: "Vê lá se consegues descalçar esta bota ...".
Se um tipo cai na asneira de Lhe responder: "És um homem, igualzinho aos outros homens, só que para melhor", está frito.
De maneira alguma o problema fica resolvido. Passam os anos, passam as décadas, e, de vez em quando, volta a pergunta. E instala-se a dúvida: "Tão humano não pode ser homem; a única solução para o problema é ser Deus". Mas isto é um absurdo; como dizia Espinosa: "É tão absurdo como um triângulo ser um rectângulo". É um absurdo pelas definições de homem e de Deus. Mas é a única solução ...
E um tipo acaba por desistir e aceita - só para ter paz de espírito. Só os tontos julgam que os ateus, os não-cristãos, etc. pensam sobre estas coisas de maneira essencialmente distinta dos crentes, dos cristãos, etc.. Ná: as perguntas são exactamente as mesmas, só a resposta dada varia. Mas basta o cansaço ...
Julgo que um cristão ab ovo não passará por isto. Para ele, Jesus é Deus da mesma maneira que ... eu sei lá ... algo evidente e indisputável ...
E olha que, para chegar aqui, o "gerado, não criado", a homousias e todas essas coisas só atrapalham uma pessoa; não ajudam nada, atrapalham ...
É: um tipo acaba por convencer-se que Ele é mesmo Deus. E não quer discutir quantas naturezas tem; se a humana está subordinada à divina; se foi gerado pelo Pai antes dos tempos ou criado; ...
Tudo isso não tem qualquer importância ante a Fé que recebeu.
De todas as passagens dos Evangelhos cada um tem dentro de si mais esta ou aquela, consoante a sua história particular.
No meu caso é: "E vocês: quem é que dizem que eu sou?". Ao ler isto, é clarinho que a pergunta não é feita aqueles doze mamíferos - mas a mim. Vejo, claramente vista, a face de Jesus perguntando-me "E tu, José Manuel Gonçalves Ribeiro: quem é que achas que eu sou?". E Ele diz isto com olhos risonhos e ar meio gozão, como que dizendo para si próprio: "Vê lá se consegues descalçar esta bota ...".
Se um tipo cai na asneira de Lhe responder: "És um homem, igualzinho aos outros homens, só que para melhor", está frito.
De maneira alguma o problema fica resolvido. Passam os anos, passam as décadas, e, de vez em quando, volta a pergunta. E instala-se a dúvida: "Tão humano não pode ser homem; a única solução para o problema é ser Deus". Mas isto é um absurdo; como dizia Espinosa: "É tão absurdo como um triângulo ser um rectângulo". É um absurdo pelas definições de homem e de Deus. Mas é a única solução ...
E um tipo acaba por desistir e aceita - só para ter paz de espírito. Só os tontos julgam que os ateus, os não-cristãos, etc. pensam sobre estas coisas de maneira essencialmente distinta dos crentes, dos cristãos, etc.. Ná: as perguntas são exactamente as mesmas, só a resposta dada varia. Mas basta o cansaço ...
Julgo que um cristão ab ovo não passará por isto. Para ele, Jesus é Deus da mesma maneira que ... eu sei lá ... algo evidente e indisputável ...
E olha que, para chegar aqui, o "gerado, não criado", a homousias e todas essas coisas só atrapalham uma pessoa; não ajudam nada, atrapalham ...
É: um tipo acaba por convencer-se que Ele é mesmo Deus. E não quer discutir quantas naturezas tem; se a humana está subordinada à divina; se foi gerado pelo Pai antes dos tempos ou criado; ...
Tudo isso não tem qualquer importância ante a Fé que recebeu.
Se bem percebi o post, aquilo que se pretendia dizer é que, no lidar com a questão do mal, e mais concretamente com a problemática do pecado, mais importante do que a busca do culpado é o cuidado pela vítima. Por outras palavras: mais do que polícias, fazem falta samaritanos.
O paradoxo da coisa é que lutar contra o sofrimento implica disponibilidade para sofrer. Eis o sentido da palavra "compaixão"...
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O paradoxo da coisa é que lutar contra o sofrimento implica disponibilidade para sofrer. Eis o sentido da palavra "compaixão"...