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segunda-feira, novembro 13, 2006

Bíblia politicamente correcta 

Um grupo de 42 teólogas e 10 teólogos alemães, protestantes na sua maioria, passaram os últimos cinco anos a fazer uma tradução politicamente correcta dos textos sagrados.
O novo texto, dizem, pretende eliminar uma certa tendência machista acumulada por séculos de tradição patriarcal e acabar com a discriminação das mulheres, dos judeus e de outros grupos sociais.
Assim, o próprio nome de Deus volta ao neutral hebraico Adonai, alternando com outras denominações, como o"Eterno" ou "a Eterna", "Ele", "Ela" "O Vivente", "a Vivente"...
Os fariseus passam a aparecer com as fariseias, os apóstolos com as apóstolas e eliminam-se expressões marcadas pela discriminação sexual como "filha de" e "mãe de".
As próprias palavras típicas das sentenças de Jesus "Pois Eu vos digo...", passam a ser traduzidas por "pois Eu hoje vos comento..." ou "Eu interpeto...", fazendo passar a ideia que Jesus não pretendia proclamar verdades definitivas, mas uma interpretação mais.
A oração ensinada por Jesus aos discípulos passa a ser assim: "Pai e Mãe que estais nos céus...".
Um nobre esforço este. Nunca acreditei num Deus machista, misógino, racista ou sectário. Mas esta preocupaçäo com o "politicamente correcto" deixa-me de orelha fita...
Sendo a tradução sempre uma traição, não choca pensar que, em sociedades patriarcais, as traduções da Bíblia, feitas por homens enraizados no seu tempo, tenham sido marcadas por esse caldo cultural. É admissível. Mas a ideia de uma tradução "politicamente correcta" não é senão mais do mesmo, levando às escrituras os preconceitos que embebem os dias que correm.
O nosso problema continua a ser o que gostamos de atribuír aos fariseus e sucedâneos, como se só a eles afectasse: fixamo-nos na letra da Lei, em vez de perceber o Espírito que nela nos dá a vida. E porque assim é, não descansaremos enquanto não pusermos a Bíblia a dizer o que nos convém, mesmo que para isso a desvirtuemos completamente. Entretidos com as falhas dos escritores, esquecemo-nos do Inspirador. Até ao dia em que Este se afogue em "outras" falhas, de "outros" escritores, mesmo se com o "saber dizer" dos nossos salões.
De pouco valerá corrigir os excessos verbais do fogoso Paulo, se não percebermos que não é ele que importa, mas Quem ele anuncia. Ficaremos, porventura, satisfeitos quando convertermos o mensageiro num intelectometrossexual civilizado e cosmopolita, mas não seremos mais santos enquanto não vivermos a Mensagem.
Falta-me a competência para uma crítica rigorosa à tradução e por isso a deixo aos biblistas. Mas isto de pegar num texto com a ideia pré-concebida de o fazer dizer certas coisas, faz-me desconfiar. Seja a Bíblia, seja o Fernando Pessoa ou a Jackie Collins.

Comments:
Manuel
Não sabia dessa. Mas a tendência ultimannete tem ido por aí.
Há ideias que nascem com muito louváveis intenções, mas a sua realização deixa quase tudo a desejar.
Um exemplo. Ontem lia sobre uma cidade-satélite de Madrid que decidiu que agora vão começar a aparecer também mulheres de saias nos semáforos reservados a peões, em vez do tradicional peão com figura de homem. Já vejo alguns habitantes a reclamar cotas iguais de bonecos para machos e fêmeas. Bom!, sei que pode ser um exemplo estúpido, mas esta mania de querer afirmar as questões de género em assuntos que não são absolutamente essenciais, nem acresecentam nada a coisa nenhuma, acho que é só para trazer confusão, muita confusão.
A mulher merece muito mais outros espaços e outros tempos que vão muito para além de meras questões de linguagem, ou mesmo, de símbolos.
 
Pergunto-me se Jesus fosse politicamente correcto onde estaríamos nós?
abraço
 
Curioso, muito curioso.

Claro que eu percebo que o que interessa é a mensagem d'Ele, e não os tiques, historica-culturalmente determinados do homem mensageiro ...

Claro.

Mas a crítica "levando às escrituras os preconceitos que embebem os dias que correm" não me parece correcta. Porque o esforço é outro: é eliminar das escrituras os preconceitos dos tempos que correram ( e que ainda correm ). A "des-generização" de Deus não é um preconceito dos tempos que correm, é um esforço louvável de remover algo que não deve Lá estar - e que impede a eficácia na transmissão da mensagem. Choca-te, a ti e a outros, porque estão habituados a uma certa forma, e porque, no fundo, não sentem o problema, apenas o abordam intelectualmente - estando então de acordo, claro.

Ah, é verdade: Deus não é só homem misógino. Também é heterossexual homofóbico; socialmente, da classe média alta para cima e acomodatício; moralmente, retrógrado e intolerante; politicamente, conservador ou mesmo reaccionário. Sempre a avaliar pela grande maioria dos que Lhe são familiares.

Beijinhos,
ZR.
 
Este género de traduções deixam-me sempre com um pé atrás e outro à frente.

Daqui a pouco, em vez das questões de género, ainda se vai fazer nova tradução com base no regime político...
 
Bom post.
A questão não é a tradução, é a adulteração. Como tu dizes, o querer por a Bíblia a dizer aquilo que nós queremos ouvir. Nada que a própria Bíblia não alerte: "Pois haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos." (II Timóteo 4:3)
 
Pedro,

Esta tendência näo me parece mal per se. Acho justo que a igualdade se faça nas coisinhas concretas da vida social. A minha dúvida reside no que se refere a alterar o passado (neste caso textos escritos num tempo determinado). Porque aí falamos de adulteraçäo e näo melhoramos o presente por isso...

CVJ

Se Jesus tivesse sido politicamente correcto näo teria sido o Cristo...:)

Zé,

Aceito a crítica. Mas repara que "eliminar das escrituras os preconceitos dos tempos que correram" pode implicar adulterá-las. Repara que a minha questäo näo está no rigor da traduçäo: se se puder fazer uma traduçäo que elimine certos pormenores tendenciosos, sem trair os textos, acho óptimo. Mas os textos säo o que säo...
E quanto a isso de näo sentir o problema... enfim, dizes tu!


Maria Joäo

Tu näo te ponhas a dar ideias... :)

David,

Exactamente. O meu único reparo tem a ver com possíveis adulteraçöes que desvirtuem os textos. Que se faça uma traduçäo rigorosa eliminando eventuais "preconceitos culturais" de anteriores tradutores parece-me óptimo.
 
Na Biblia está presente a caminhada do povo de Deus. Povo que se aperfeiçoa guiado por Deus.
Ao adulterar o texto desta forma parte do processo de aperfeiçoamento perde-se.

A dimensão evolutiva da revelação fica gravemente mutilada.
No que refere às passagens com Jesus Cristo é uma autentica traição. Deus é o Absoluto e naquelas passagens Jesus Homem e Deus fica relativizado.

António Maria
 
Plenamente de acordo Manuel, com a tua reflexão!
 
Por que não deixar a Bíblia falar?
Isto é, pegar-lhe nas palavras originais: grego, aramaico, ... e traduzi-las directamente para as diferentes línguas dando-lhe o sentido que ela tem e não o sentido que alguns querem que ela tenha.

Gostava de dominar essas línguas para poder ler e saborear o original que é muito mais rico que aquilo que nos dão a comer!...

Beijos peregrinos
 
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