segunda-feira, novembro 28, 2005
A cruz e a escola
Em Portugal temos um Estado aconfessional, como é normal e desejável num país democrático.
Esse Estado encarrega-se de assegurar uma rede de escolas públicas que garantam o acesso de todos à educação. Logicamente, essas escolas não são católicas, nem muçulmanas, nem animistas. São escolas. Para todos os que, legitimamente, professam todas e qualquer religião, ou nenhuma, conforme o entendam.
Neste contexto, é normal que as escolas públicas não ostentem simbologia religiosa.
Sendo escolas públicas de um país democrático onde se consagra a liberdade religiosa, é normal que os seus alunos, professores e funcionários possam usar, a título individual, os símbolos que bem entendam, sejam eles crucifixos, estrelas de David ou véus islâmicos.
Neste contexto escolar é normal que as religiões sejam encaradas como parte da vida dos indivíduos e das sociedades e, portanto, merecedoras de atenção, quer como disciplinas facultativas, quer como tema de diversas actividades extracurriculares, com vista a uma formação equilibrada e integral.
É neste quadro de normalidade que me custa compreender toda esta polémica à volta dos crucifixos nas escolas.
1. É normal que nas escolas que se vão construindo não haja crucifixos.
2. É normal que em muitas escolas mais antigas eles lá estejam. Se não incomodam ninguém, deixem-se estar. Se incomodam, tirem-se.
3. Neste episódio sobressai a atitude radical e intolerante dos membros de uma associação. Parece que não têm causas mais importantes em que se empenhar. É pena. Para eles.
4. Reagir com o mesmo grau de intolerância e radicalismo é um erro. A Igreja tem muitas causas em que se empenhar. E algumas podem passar pelo âmbito da Educação.
5. A obrigação do Ministério da Educação é promover uma saudável normalidade nas escolas. Não me parece necessário um decreto ministerial para questões deste tipo. O princípio de subsidariedade devia bastar para a aplicação do bom senso.
6. Se o problema se põe, ficaria muito bem à Igreja ser ela, de forma oficial, a propôr a retirada dos crucifixos. Sem dramas. Com normalidade.
Esse Estado encarrega-se de assegurar uma rede de escolas públicas que garantam o acesso de todos à educação. Logicamente, essas escolas não são católicas, nem muçulmanas, nem animistas. São escolas. Para todos os que, legitimamente, professam todas e qualquer religião, ou nenhuma, conforme o entendam.
Neste contexto, é normal que as escolas públicas não ostentem simbologia religiosa.
Sendo escolas públicas de um país democrático onde se consagra a liberdade religiosa, é normal que os seus alunos, professores e funcionários possam usar, a título individual, os símbolos que bem entendam, sejam eles crucifixos, estrelas de David ou véus islâmicos.
Neste contexto escolar é normal que as religiões sejam encaradas como parte da vida dos indivíduos e das sociedades e, portanto, merecedoras de atenção, quer como disciplinas facultativas, quer como tema de diversas actividades extracurriculares, com vista a uma formação equilibrada e integral.
É neste quadro de normalidade que me custa compreender toda esta polémica à volta dos crucifixos nas escolas.
1. É normal que nas escolas que se vão construindo não haja crucifixos.
2. É normal que em muitas escolas mais antigas eles lá estejam. Se não incomodam ninguém, deixem-se estar. Se incomodam, tirem-se.
3. Neste episódio sobressai a atitude radical e intolerante dos membros de uma associação. Parece que não têm causas mais importantes em que se empenhar. É pena. Para eles.
4. Reagir com o mesmo grau de intolerância e radicalismo é um erro. A Igreja tem muitas causas em que se empenhar. E algumas podem passar pelo âmbito da Educação.
5. A obrigação do Ministério da Educação é promover uma saudável normalidade nas escolas. Não me parece necessário um decreto ministerial para questões deste tipo. O princípio de subsidariedade devia bastar para a aplicação do bom senso.
6. Se o problema se põe, ficaria muito bem à Igreja ser ela, de forma oficial, a propôr a retirada dos crucifixos. Sem dramas. Com normalidade.
Advento
Novembro vai caindo no ocaso, já vencido pelo frio, pelo vento, pelo cinzento dos dias que teimam em ser cada vez mais pequenos, como se o Inverno os assustasse.
Nas noites, agora senhoras de largas horas, começa a ver-se o brilho das luzes novas iluminando os recantos das ruelas, cantando nas avenidas figuras celestiais. Anda já no ar um aroma envolvente, que faz sentir diferente o que sempre foi igual.
Cheira a Natal.
Sente-se Natal, suavemente, nas brisas gélidas em que o Outono se despede.
O Advento nasceu ontem. O tempo da esperança, feito de certezas pressentidas, aponta o milagre que vamos celebrar a 25 de Dezembro. Mas é já hoje, ontem e sempre que, no coração de cada homem, bate à porta um Deus a querer nascer, a querer transformar os nossos dias em natais de esperança, de liberdade e de sonho.
E, na debilidade do homens, encalhados em tantas coisas, perdidos em tantas noites sem Natal, somos convidados a olhar para uma mulher. Simples, pequena e pobre. Mas uma mulher a quem foi dado compreender que era da sua humanidade, frágil e breve, que o eterno Deus queria nascer. E continua a ser assim: é por entre os dedos de mãos fraternas e humanas que volta a brilhar a Estrela do Presépio de Belém.
sexta-feira, novembro 25, 2005
A Inteligência e a Estupidez (III)
Mais umas notas sobre os fracassos da inteligência...
Dogmatismo
O dogmatismo é o primo direito do preconceito e da superstição. Surge quando uma convicção se vê contrariada pela realidade e, em vez de se reconhecer o erro, se introduzem as variações necessárias à manutenção da crença prévia. Constrói-se assim uma imunização à crítica.
Uma forma de dogmatismo muito comum tem origem nas inseguranças intelectuais do próprio sujeito. Necessitando de pisar "terreno firme", agarra-se a conceitos assegurados pela autoridade competente. Assume-os como suas, chegando a brami-los como armas perante a ameaça da incerteza.
O dogmatismo é a proclamação de certezas em casos de dúvida... Um muito corrente fracasso da inteligência.
Fanatismo
O fanatismo reúne todas as características do preconceito, da superstição e do dogmatismo e acrescenta-lhe duas perigosas variáveis: uma defesa da verdade absoluta e e um chamamento à acção.
Parte de um conceito dificilmente discutível: a verdade tem um valor superior à mentira. O problema surge quando se assume como verdade absoluta uma proposição ou uma opinião não demonstrada. A partir daqui, cresce um dinamismo tirânico: a verdade absoluta deve ser imposta absolutamente, porque é inegável a sua superioridade a todas as outras.
Cabe aqui a declaração solene do guerreiro que incendiou a antiga biblioteca de Alexandria: "Ou os livros que há aqui dizem o mesmo que o Corão, e então são inúteis, ou dizem outra coisa, e então são blasfemos. Em qualquer dos casos, merecem ser queimados". Lógica implacável, usada vezes demais...
O aspecto mais perigoso do fanatismo é o seu chamamento à acção: o fanático não é apenas um preconceituoso, supersticioso e dogmático. É alguém convencido que é missão sua a imposição da verdade absoluta. Um trágico fracasso da inteligência...
A estupidez social
José António Marina, na sua obra "Inteligência fracassada", faz uma aplicação dos fracassos da inteligência às sociedades, instituições e grupos.
Segundo ele, "sociedades estúpidas (ou instituições ou grupos) são aquelas em que as crenças vigentes, os modos de resolver conflitos, os sistemas de avaliação e os modos de vida, diminuem as possibilidades das inteligências privadas".
As causas da estupidez social são as mesmas que fazem fracassar a inteligência pessoal: fracassos cognitivos, afectivos e operativos.
No que aos cognitivos diz respeito, imagine-se o preconceito, a superstição, o dogmatismo e o fanatismo disseminados como "tendências" ou "correntes" colectivas e temos a estupidificação social em todo o seu esplendor. Aplique-se isto a grupos, Igrejas, instituições... e teremos uma explicaçäo para muito do que se passa todos os dias.
Se o triunfo da inteligência pessoal é a felicidade (objectivo último do ser humano), o triunfo da inteligência social é a justiça.
Nesta sua reflexão, Marina recupera um conceito de rica e universal tradição - a sabedoria: "Sabedoria é a inteligência habilitada para a felicidade privada e para a felicidade política, ou seja, para a justiça".
Dogmatismo
O dogmatismo é o primo direito do preconceito e da superstição. Surge quando uma convicção se vê contrariada pela realidade e, em vez de se reconhecer o erro, se introduzem as variações necessárias à manutenção da crença prévia. Constrói-se assim uma imunização à crítica.
Uma forma de dogmatismo muito comum tem origem nas inseguranças intelectuais do próprio sujeito. Necessitando de pisar "terreno firme", agarra-se a conceitos assegurados pela autoridade competente. Assume-os como suas, chegando a brami-los como armas perante a ameaça da incerteza.
O dogmatismo é a proclamação de certezas em casos de dúvida... Um muito corrente fracasso da inteligência.
Fanatismo
O fanatismo reúne todas as características do preconceito, da superstição e do dogmatismo e acrescenta-lhe duas perigosas variáveis: uma defesa da verdade absoluta e e um chamamento à acção.
Parte de um conceito dificilmente discutível: a verdade tem um valor superior à mentira. O problema surge quando se assume como verdade absoluta uma proposição ou uma opinião não demonstrada. A partir daqui, cresce um dinamismo tirânico: a verdade absoluta deve ser imposta absolutamente, porque é inegável a sua superioridade a todas as outras.
Cabe aqui a declaração solene do guerreiro que incendiou a antiga biblioteca de Alexandria: "Ou os livros que há aqui dizem o mesmo que o Corão, e então são inúteis, ou dizem outra coisa, e então são blasfemos. Em qualquer dos casos, merecem ser queimados". Lógica implacável, usada vezes demais...
O aspecto mais perigoso do fanatismo é o seu chamamento à acção: o fanático não é apenas um preconceituoso, supersticioso e dogmático. É alguém convencido que é missão sua a imposição da verdade absoluta. Um trágico fracasso da inteligência...
A estupidez social
José António Marina, na sua obra "Inteligência fracassada", faz uma aplicação dos fracassos da inteligência às sociedades, instituições e grupos.
Segundo ele, "sociedades estúpidas (ou instituições ou grupos) são aquelas em que as crenças vigentes, os modos de resolver conflitos, os sistemas de avaliação e os modos de vida, diminuem as possibilidades das inteligências privadas".
As causas da estupidez social são as mesmas que fazem fracassar a inteligência pessoal: fracassos cognitivos, afectivos e operativos.
No que aos cognitivos diz respeito, imagine-se o preconceito, a superstição, o dogmatismo e o fanatismo disseminados como "tendências" ou "correntes" colectivas e temos a estupidificação social em todo o seu esplendor. Aplique-se isto a grupos, Igrejas, instituições... e teremos uma explicaçäo para muito do que se passa todos os dias.
Se o triunfo da inteligência pessoal é a felicidade (objectivo último do ser humano), o triunfo da inteligência social é a justiça.
Nesta sua reflexão, Marina recupera um conceito de rica e universal tradição - a sabedoria: "Sabedoria é a inteligência habilitada para a felicidade privada e para a felicidade política, ou seja, para a justiça".
quinta-feira, novembro 24, 2005
A Inteligência e a Estupidez (II)
Volto aos fracassos da inteligência. Lembro apenas alguns, bem conhecidos e bem vivos nos dias que correm...
Preconceito
Ter um preconceito é "estar absolutamente seguro de uma coisa que não se sabe".
O indivíduo preconceituoso caracteriza-se por seleccionar a informação de tal forma que só atende aos dados que corroboram o que já pensa... Estabelece assim um filtro que lhe proporciona uma espécie de imunidade a tudo o que possa soar, mesmo que levemente, ameaçador às suas convicções.
O preconceito começa por ser uma debilidade intelectual: perante a incapacidade de aventurar-se na insegurança da descoberta, o sujeito agarra-se como um náufrago a ideias feitas e, supostamente, testadas pela experiência.
O preconceito é, também, um mecanismo de defesa: O sujeito precisa de sentir que o mundo à sua volta está onde deve estar e que tem controlo sobre ele. Para isso precisa de saber que "as coisas são assim".
O sujeito preconceituoso é arrogante. Como só os ignorantes podem ser.
Naturalmente, o preconceito é perigoso. Pode ser, como foi, de muitas maneiras e modos ao longo da história, o ponto de partida para as maiores atrocidades. É um fracasso da inteligência.
Superstição
A etimologia diz-nos que a superstição é a sobrevivência de uma crença morta, injustificável, mas que continua a ter uma influência na conduta e no pensamento do sujeito.
Embora não tenha o aspecto discriminador e selectivo do preconceito, partilha com ele o facto de ser uma certeza injustificável, invulnerável às certezas que se possam apresentar em contrário.
É impressionante verificar como pessoas inteligentes se deixam condicionar por superstições. Desde políticos que consultam astrólogos e cartomantes (como Mitterrand...), até à influência dos horóscopos na vida de tanta gente...
No campo religioso, a superstição abunda. Quantas expressões de fé não se baseiam em simples superstições? E quantas se mantêm e alimentam em nome de um suposto respeito pela fé popular? Terreno movediço, este...
A superstição é um apoucamento intelectual. Frequentemente, o supersticioso não apenas se contenta com as "verdades supersticiosas", como se convence de que precisa delas...
A superstição, nas suas mais variadas formas, é um fracasso da inteligência.
Preconceito
Ter um preconceito é "estar absolutamente seguro de uma coisa que não se sabe".
O indivíduo preconceituoso caracteriza-se por seleccionar a informação de tal forma que só atende aos dados que corroboram o que já pensa... Estabelece assim um filtro que lhe proporciona uma espécie de imunidade a tudo o que possa soar, mesmo que levemente, ameaçador às suas convicções.
O preconceito começa por ser uma debilidade intelectual: perante a incapacidade de aventurar-se na insegurança da descoberta, o sujeito agarra-se como um náufrago a ideias feitas e, supostamente, testadas pela experiência.
O preconceito é, também, um mecanismo de defesa: O sujeito precisa de sentir que o mundo à sua volta está onde deve estar e que tem controlo sobre ele. Para isso precisa de saber que "as coisas são assim".
O sujeito preconceituoso é arrogante. Como só os ignorantes podem ser.
Naturalmente, o preconceito é perigoso. Pode ser, como foi, de muitas maneiras e modos ao longo da história, o ponto de partida para as maiores atrocidades. É um fracasso da inteligência.
Superstição
A etimologia diz-nos que a superstição é a sobrevivência de uma crença morta, injustificável, mas que continua a ter uma influência na conduta e no pensamento do sujeito.
Embora não tenha o aspecto discriminador e selectivo do preconceito, partilha com ele o facto de ser uma certeza injustificável, invulnerável às certezas que se possam apresentar em contrário.
É impressionante verificar como pessoas inteligentes se deixam condicionar por superstições. Desde políticos que consultam astrólogos e cartomantes (como Mitterrand...), até à influência dos horóscopos na vida de tanta gente...
No campo religioso, a superstição abunda. Quantas expressões de fé não se baseiam em simples superstições? E quantas se mantêm e alimentam em nome de um suposto respeito pela fé popular? Terreno movediço, este...
A superstição é um apoucamento intelectual. Frequentemente, o supersticioso não apenas se contenta com as "verdades supersticiosas", como se convence de que precisa delas...
A superstição, nas suas mais variadas formas, é um fracasso da inteligência.
quarta-feira, novembro 23, 2005
A inteligência e a estupidez
"Se existe uma teoria científica da inteligência, deveria haver outra, igualmente científica, da estupidez. Creio, inclusivamente, que ensiná-la como disciplina obrigatória em todos os níveis educativos, produziria enormes benefícios sociais. O primeiro deles seria vacinar-nos contra a parvoíce, profilaxia de urgente necessidade".
Quem o diz é José António Marina, um dos pensadores imprescindíveis da vizinha Espanha, no seu livro "A inteligência fracassada: teoria e prática da estupidez". O autor tenta responder a perguntas tão simples e tão importantes como estas: Porque nos enganamos tantas vezes? Porque nos empenhamos em dar cabo da vida? Porque cometemos tantas vezes os mesmos erros? Porque é que pessoas inteligentes fazem coisas tão estúpidas?
O fracasso da inteligência é, pois, a estupidez. E este fracasso, demasiado frequente, pode ser de várias ordens: cognitivo, afectivo, de comunicação ou da vontade.
Entre os fracassos cognitivos, destacam-se quatro que, a verificarem-se nos indivíduos ou disseminados nas sociedades ou grupos, terminam, inevitavelmente, em estupidez.
O primeiro fracasso cognitivo é o preconceito. O segundo é a superstição. O terceiro é o dogmatismo. O quarto é o fanatismo.Cada um deles mereceria ampla reflexão e abundantes conexöes à actualidade... Voltarei ao tema.
Quem o diz é José António Marina, um dos pensadores imprescindíveis da vizinha Espanha, no seu livro "A inteligência fracassada: teoria e prática da estupidez". O autor tenta responder a perguntas tão simples e tão importantes como estas: Porque nos enganamos tantas vezes? Porque nos empenhamos em dar cabo da vida? Porque cometemos tantas vezes os mesmos erros? Porque é que pessoas inteligentes fazem coisas tão estúpidas?
O fracasso da inteligência é, pois, a estupidez. E este fracasso, demasiado frequente, pode ser de várias ordens: cognitivo, afectivo, de comunicação ou da vontade.
Entre os fracassos cognitivos, destacam-se quatro que, a verificarem-se nos indivíduos ou disseminados nas sociedades ou grupos, terminam, inevitavelmente, em estupidez.
O primeiro fracasso cognitivo é o preconceito. O segundo é a superstição. O terceiro é o dogmatismo. O quarto é o fanatismo.Cada um deles mereceria ampla reflexão e abundantes conexöes à actualidade... Voltarei ao tema.
terça-feira, novembro 22, 2005
Dias finais
Nestes dias "que säo os últimos" do ano litúrgico, a Palavra proclamada é só julgamentos, juízos finais, "apocalipses nows" e destruiçöes de templos e o que mais haja - "Näo ficará pedra sobre pedra".
E enquanto escutava, hoje, estas palavras, veio-me à cabeça a máxima de Miguel de Unamuno: "Antes a verdade que a paz". Está bom de ver que isto näo é exegese: säo associaçöes livres. É o Freud a meter-se onde näo é chamado. Ele há coisas...
terça-feira, novembro 15, 2005
Sobre o Espírito
Falar sobre o Espírito Santo deixa-nos, quase sempre, com a sensaçäo de que podemos dizer muito pouco... Mas é possível:
"É impossível definir o Espírito. Isso seria impor-lhe limites e reduzir à nossa dimensão humana o infinito que habita em nós. Tal era já a grande intuição do Primeiro Testamento: não façamos imagens de Deus à medida humana. Deus não se encontra no trovão, nem na tempestade, mas no "murmúrio de uma leve brisa" (1 Reis, 19, 12).
Percepção latente e que, em certos momentos, se torna mais explícita, de uma presença em nós que, sem ser estranha àquilo que somos, é simultaneamente sinal interior do transcendente, do infinito. Tornados atentos a essa presença, que eleva a nossa existência, no entanto não atribuímos ao Espírito as nossas percepções, sempre relativas e tacteantes. Isso equivaleria a servirmo-nos de Deus para avalizar as nossas aproximações humanas e dar-lhes, indevidamente, um carácter de absoluto, ao passo que devemos prosseguir na busca, na transformação.
Presença discreta que, ao contrário de nos constranger, abre a nossa liberdade. Descobre-se no mais íntimo de cada um, de uma maneira única, num percurso de vida próprio de cada um. Entrevemo-la nos outros, em momentos privilegiados, quando o nosso olhar e a nossa atenção ganham outra profundidade, outro respeito por aquilo que eles são e tentam ser, muitas vezes sem sequer o saberem, sem o nomear explicitamente."
Percepção latente e que, em certos momentos, se torna mais explícita, de uma presença em nós que, sem ser estranha àquilo que somos, é simultaneamente sinal interior do transcendente, do infinito. Tornados atentos a essa presença, que eleva a nossa existência, no entanto não atribuímos ao Espírito as nossas percepções, sempre relativas e tacteantes. Isso equivaleria a servirmo-nos de Deus para avalizar as nossas aproximações humanas e dar-lhes, indevidamente, um carácter de absoluto, ao passo que devemos prosseguir na busca, na transformação.
Presença discreta que, ao contrário de nos constranger, abre a nossa liberdade. Descobre-se no mais íntimo de cada um, de uma maneira única, num percurso de vida próprio de cada um. Entrevemo-la nos outros, em momentos privilegiados, quando o nosso olhar e a nossa atenção ganham outra profundidade, outro respeito por aquilo que eles são e tentam ser, muitas vezes sem sequer o saberem, sem o nomear explicitamente."
Jacques Gaillot
Noite de Deus
É bom saber quer Leonardo Boff continua a sonhar:
"C.G. Jung, uno de los maestros fundadores del discurso psicoanalítico junto con S. Freud, se refiere en sus obras a los grandes sueños que pueden visitar a las personas. En ellos emergen los arquetipos ancestrales, cargados de mensajes que pueden cambiar el estado de conciencia y hasta el destino de las personas.
Yo tuve uno de esos grandes sueños el día 23 de octubre, a eso de las cuatro de la madrugada, en plena crisis de una artrosis que me dejó preso en casa. La noche, de repente, se volvió día. Era la noche sin armas, la noche de la paz perpetua. En el contexto del referendum que hemos celebrado en Brasil sobre la prohibición de la comercialización de las armas, vale la pena contar ese sueño.
Soñé que estaba en China, reminiscencia de un viaje que hice con un grupo de teólogos brasileños y canadienses en los años 80. En el sueño vi que de una ladera descendía una multitud de chinos. En China todo es multitudinario. Nuestro pequeño grupo se atemorizó. «Vienen a matarnos». Pero a medida en que se acercaban, se escuchaban voces cada vez más fuertes: «ahora es la paz, ahora es la paz perpetua». Pensé: «es un truco para matarnos a todos». Pero, al contrario, cuando se aproximaban, nos rodeaban, danzando, abrazándonos efusivamente y llenándonos de obsequios. Algunos se tumbaban tranquilos sobre la hierba, y nos invitaban a hacer lo mismo, para estar juntos un rato a gusto.
Comenzamos a tomar confianza y también nosotros proclamamos: «ahora es la paz, la paz perpetua». Sin embargo, un sentimiento de extrañeza me invadió. No conseguía acostumbrarme a la idea de la paz perpetua ni sabía cómo me debía comportar. La realidad era demasiado grande, una mezcla de alegría y de temor. De repente pensé: «ahora vendrán las bombas atómicas chinas y nos liquidarán». Pero el temor pronto desapareció, cuando alguien encendió la televisión, y allí no se veían ya violencias ni tonterías, sino un mismo mensaje en todos los canales: «ahora es la paz». De repente un chino se levantó y dijo: «necesito pagar mis cuentas». Pero enseguida se acordó: «ahora, con la paz perpetua, nadie necesita pagar nada a nadie, porque todos tendrán todo lo que precisan».
De golpe, vi una rueda de personas sujetando a alguien que parecía desmayado. Enseguida me di cuenta de que se trataba del Presidente de EEUU. De la ladera descendían, graves y solemnes, las autoridades chinas. Entraron en una sala junto con el Presidente estadounidense, ya repuesto.
Poco después, se abrieron las puertas y los jefes de las dos naciones proclamaron: «Llegó el tiempo de la paz perpetua, de la paz eterna». En ese momento escuché al Presidente estadounidense replicar: «Tendremos paz, pero eso sólo vale por dos semanas». Quedé profundamente irritado, y pensé: «El capitalismo desaparece con la paz. Necesita de la guerra para existir». Pero la certeza de la paz era tan fuerte que todos se sentían a gusto y no paraban de sonreir y de abrazarse.
Era la primera noche de la era de Dios. Noche serenísima e iluminada, realización del sueño más ancestral de la humanidad.
En eso, me desperté, lleno de la gracia divina. Sólo los dolores de las rodillas me recordaban la diferencia entre el sueño y la realidad. Pero en el sentimiento, el sueño era inconmensurablemente más real que la realidad. Fue entonces cuando me acordé de los versos místicos de Sãn Juan de la Cruz: «Oh noche más amable que la alborada. Oh noche que juntaste al Amado con la amada, amada ya en Amado transformada»".
Yo tuve uno de esos grandes sueños el día 23 de octubre, a eso de las cuatro de la madrugada, en plena crisis de una artrosis que me dejó preso en casa. La noche, de repente, se volvió día. Era la noche sin armas, la noche de la paz perpetua. En el contexto del referendum que hemos celebrado en Brasil sobre la prohibición de la comercialización de las armas, vale la pena contar ese sueño.
Soñé que estaba en China, reminiscencia de un viaje que hice con un grupo de teólogos brasileños y canadienses en los años 80. En el sueño vi que de una ladera descendía una multitud de chinos. En China todo es multitudinario. Nuestro pequeño grupo se atemorizó. «Vienen a matarnos». Pero a medida en que se acercaban, se escuchaban voces cada vez más fuertes: «ahora es la paz, ahora es la paz perpetua». Pensé: «es un truco para matarnos a todos». Pero, al contrario, cuando se aproximaban, nos rodeaban, danzando, abrazándonos efusivamente y llenándonos de obsequios. Algunos se tumbaban tranquilos sobre la hierba, y nos invitaban a hacer lo mismo, para estar juntos un rato a gusto.
Comenzamos a tomar confianza y también nosotros proclamamos: «ahora es la paz, la paz perpetua». Sin embargo, un sentimiento de extrañeza me invadió. No conseguía acostumbrarme a la idea de la paz perpetua ni sabía cómo me debía comportar. La realidad era demasiado grande, una mezcla de alegría y de temor. De repente pensé: «ahora vendrán las bombas atómicas chinas y nos liquidarán». Pero el temor pronto desapareció, cuando alguien encendió la televisión, y allí no se veían ya violencias ni tonterías, sino un mismo mensaje en todos los canales: «ahora es la paz». De repente un chino se levantó y dijo: «necesito pagar mis cuentas». Pero enseguida se acordó: «ahora, con la paz perpetua, nadie necesita pagar nada a nadie, porque todos tendrán todo lo que precisan».
De golpe, vi una rueda de personas sujetando a alguien que parecía desmayado. Enseguida me di cuenta de que se trataba del Presidente de EEUU. De la ladera descendían, graves y solemnes, las autoridades chinas. Entraron en una sala junto con el Presidente estadounidense, ya repuesto.
Poco después, se abrieron las puertas y los jefes de las dos naciones proclamaron: «Llegó el tiempo de la paz perpetua, de la paz eterna». En ese momento escuché al Presidente estadounidense replicar: «Tendremos paz, pero eso sólo vale por dos semanas». Quedé profundamente irritado, y pensé: «El capitalismo desaparece con la paz. Necesita de la guerra para existir». Pero la certeza de la paz era tan fuerte que todos se sentían a gusto y no paraban de sonreir y de abrazarse.
Era la primera noche de la era de Dios. Noche serenísima e iluminada, realización del sueño más ancestral de la humanidad.
En eso, me desperté, lleno de la gracia divina. Sólo los dolores de las rodillas me recordaban la diferencia entre el sueño y la realidad. Pero en el sentimiento, el sueño era inconmensurablemente más real que la realidad. Fue entonces cuando me acordé de los versos místicos de Sãn Juan de la Cruz: «Oh noche más amable que la alborada. Oh noche que juntaste al Amado con la amada, amada ya en Amado transformada»".
quinta-feira, novembro 10, 2005
Falta de humor
Há dias ouvi alguém dizer "Sou demasiado católico para me divertir sem culpa..." À parte o subjacente humor da própria afirmaçäo, há uma preocupante e enraizada verdade nesta ideia. Está entranhado no ADN católico o peso da "ditosa culpa". Que deixa de ser ditosa por ser um peso. Falta humor na fé...
quarta-feira, novembro 09, 2005
Ecos do Congresso
"Se a Igreja estivesse com as janelas abertas e mais atenta, a situação mudaria"... As palavras säo do padre Valentim Gonçalves, na sua intervençäo nos "diálogos com a cidade", do Congresso Internacional para a Nova Evangelizaçäo.
A propósito desta iniciativa, vale a pena ler a Carta Pastoral do Cardeal-Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, um dos promotores do congresso. Com a inteligência que se lhe reconhece, faz uma análise lúcida sobre a fé e a cidade. Naturalmente, centra a atençäo em Lisboa, mas muito do que se diz aplica-se näo só a outras cidades, como à nossa sociedade, de uma forma geral.
quinta-feira, novembro 03, 2005
A fé e a ciência
Roma parece estar a querer estabelecer novas pontes de diálogo com o mundo da ciência. Embora com atraso, é um caminho que deve ser percorrido com urgência. A Igreja näo pode permitir que se generalize mais a ideia perversa de que Deus näo resiste ao tubo de ensaio...
Proximizade
terça-feira, novembro 01, 2005
Sobre as relíquias...
Durante estes dias, percorrem Portugal as relíquias de Santa Teresa de Lisieux, ao ritmo das celebraçöes, procissöes, encontros e oraçöes, programados pelas diferentes dioceses.
Por muito que tente, näo consigo descortinar uma justificaçäo razoável para esta "aposta pastoral" da Igreja portuguesa.
Sei que a veneraçäo das relíquias dos santos se desenvolveram e tiveram um lugar importante, sobretudo na religiosidade popular, ao longo dos séculos. Mas será que tem um verdadeiro sentido teológico? Näo significará, antes, um estímulo para uma espiritualidade equivocada?
Faz-me confusäo que, neste início de século XXI, se continuem a passear os restos mortais de outros cristäos como forma de pregar a fé em Jesus Cristo, único Salvador.
Todo o respeito que me merece Santa Teresa de Lisieux faz-me lamentar este exibicionismo folclórico, feito à sua custa.
E, sobretudo, lamento que a Igreja portuguesa näo encontre formas mais consentâneas com o "espírito do tempo" para continuar a sua missäo de anunciar o Evangelho de Jesus Cristo.